As pessoas me perguntam como eu defino as técnicas que são utilizadas nas linhas da ESPERANDIO TACTICAL CONCEPT® (ETC) e qual é critério que me faz abandonar uma técnica em detrimento a outra?
Vou colocar neste artigo os pontos que considero importantes na minha Metodologia e que vão ajudá-lo em seu treinamento. Você pode usar isto para definir aquilo que é relevante daquilo que é supérfluo ou diferenciar o que é útil ou inútil no seu rol de técnicas.
Elon Musk e o First Principle
Você conhece Elon Musk? Ele é um dos homens mais ricos do mundo, fundador e CEO da SpaceX, Tesla e Neuralink. Ele coordenou um projeto espacial que fez a SpaceX a primeira empresa privada do mundo a realizar um lançamento de foguete tripulado.
Quando Musk percebeu que comprar um foguete ficaria muito além do orçamento da SpaceX, ele procurou entender como montar seu próprio foguete e reduzir o custo total para dois por cento do preço de um foguete. Isto só aconteceu porque Elon Musk aplicou algo chamado First Principle ou “Primeiro Princípio”.

O First Principle tem a ver com resumir as coisas as suas verdades fundamentais, isto traduzido para a técnica do tiro significa: Qual o objetivo primordial que a técnica busca alcançar?
Escolher a melhor técnica dentre várias técnicas abarca não apenas o “Como fazer”, mas também sua contextualização “Por que fazer”. Aqui começa o First Principle e os demais critérios que te levam a escolha correta e eficaz do seu repertório.
Evolução e Comportamento Humano
O comportamento humano de sobrevivência não mudou muito nos últimos 300 mil anos, estou considerando a contagem a partir do Homo Sapiens Sapiens. Desta forma, nossa configuração ancestral como espécie nos leva a respostas neurais e hormonais que afetam nossa fisiologia, então lutar ou fugir se torna o modo de sobrevivência e as reações instintivas(reflexos) podem ser mapeadas ou previsíveis, tudo orquestrado pelo Sistema Nervoso Simpático.

Quando adicionamos um bloco de treinamento e um repertório de técnicas podemos programar Respostas Intuitivas, isto quer dizer, sem processamento cognitivo consciente que substituem o mais rápido possível a Reação Instintiva(reflexo) e nos deixam mais aptos a sobreviver às ameaças modernas, como por exemplo um marginal armado dentro da uma conveniência.
A grande questão é “Como escolher o repertório de técnicas corretas e como treinar da forma correta estas técnicas?”
Técnicas da década de 80
Na década de 80 os americanos estavam preocupados em resolver o problema do equipamento ou da arma, quando sua arma entrava numa pane, você olhava para ela, identificava a pane, buscava uma solução compatível com aquele tipo de problema e então a solucionava.
Quarenta anos depois os americanos descartam o problema no equipamento e focam em entender como o seu cérebro e o seu corpo se comportam atrás da arma durante esta pane. Agora basta mapear o comportamento e alinhar a técnica a forma como seu cérebro responde aquele estímulo, logo, treinar 4 soluções de panes se torna inútil, pois a sua percepção visual é afetada sobre estresse, a recuperação de uma memória(técnica) é mais lenta e menos assertiva durante uma situação de estresse, dificultando processos cognitivos conscientes(Ciclo OODA) e o tempo de escolha entre quais das técnicas se adequa melhor em relação ao tipo de pane, o tempo é um artigo de luxo que você não dispõe… a Lei de Hick vai matar você!
Lei de Hick
“O tempo que uma pessoa leva para tomar uma decisão com base no número de opções possíveis a serem escolhidas: aumentar o número de opções vai aumentar o tempo de decisão.” – Wikipédia
Os Americanos estão preocupados em alinhar técnicas as suas respostas estereotipadas(reflexos) e entender como o seu cérebro consegue funcionar durante uma situação de vida ou morte, reduzindo o tempo entre a demanda e a resposta, diga-se de passagem a Resposta Intuitiva(treinada) que vai lhe manter vivo. Por outro lado, aqui no Brasil ainda estamos discutindo Ciclo OODA, Stopping Power, Double Tap e justificando técnicas rasas e improvisadas com o bordão “Na Hora Sai”.

A maior parte dos instrutores treinam a sua mecânica corporal, na ESPERANDIO TACTICAL CONCEPT® nós treinamos o cérebro por trás da arma. Não posso contar com a sua percepção visual no escuro ou sob estresse, da mesma forma que não se ensinam técnicas que dependam da sua coordenação motora fina ou complexa. As técnicas devem estar alinhadas de maneira a potencializar os movimentos de coordenação motora grossa onde são evidenciados a força e velocidade por conta da sua resposta fisiológica, “puxar e empurrar” exigem menos coordenação e mais força. Além disso, as decisões devem envolver baixa complexidade cognitiva, afinal de contas você ficará mais forte, mais rápido e mais burro! Cortesia do Sistema Nervoso Simpático em situações de confronto.
“A maior parte dos instrutores treinam a sua mecânica corporal, na ESPERANDIO TACTICAL CONCEPT® nós treinamos o cérebro por trás da arma”.
Transformando água em vinho
Você não pode treinar Reações Instintivas, mas pode suprimir a sua amplitude(duração e intensidade) e convertê-las em Respostas Intuitivas treinadas, tornando-as mais eficazes diante de uma ameaça armada ou evento crítico(O3R). Através do treinamento o comportamento do operador se torna previsível, porém considere que o comportamento da ameaça é sempre imprevisível.
Escolhendo a Técnica mais eficaz
Na escolha da técnica mais eficaz, deixo claro que não estou dizendo que as outras não funcionem, porém elas não funcionam tão bem e com a frequência das técnicas que eu adoto nas linhas da ESPERANDIO TACTICAL CONCEPT®. Basicamente aplicamos técnicas que têm pouca ou nenhuma chance de falha quando confrontadas com os ambientes variáveis e imprevisíveis como num confronto armado. Basicamente anulamos ou minizamos a Lei de Murphy.
A primeira coisa é isolar as variáveis para manter a técnica mais eficaz e com a menor chance de falha. Quando confrontamos duas técnicas para saber qual é a mais eficiente e a mais eficaz, tratamos de buscar o Princípio da Simplicidade e o Princípio da Economia de Movimentos, no entanto sempre o Princípio da Eficácia irá se sobrepor aos anteriores.
No confronto das técnicas se compara o passo a passo de cada uma delas e depois descarta-se a que tem maior chance de falhas. Não se pode dar atenção apenas à velocidade da técnica, o foco está no First Principle, isto quer dizer onde a técnica cumpre o seu objetivo de forma plena e sem chance de falhas. Lembre-se que o mundo operacional “toma emprestado” muitas técnicas do mundo do tiro esportivo, isto é fantástico porque aumenta a nossa performance, no entanto, competição não tem táticas de combate, mas velocidade. Técnicas de competição não vetorizam as técnicas de combate, elas refinam aquilo que pode ser adequado ao contexto do confronto armado.
Para chegar ao First Principle e mapear o que pode dar errado eu uso algo chamado de “Aproximações Sucessivas”, que significa “interagir com determinada técnica até alcançar o resultado esperado, porém as correções vão acontecendo ao longo destas interações num sistema de tentativa e erro”. O fator fundamental está em mapear os pontos de falha durante estas interações e corrigi-las ou evitá-las nas futuras execuções.
Jogo de Futebol x Jogo de Sinuca
Neste ponto ressalto uma vantagem que tenho sobre a maioria dos instrutores, mas que pode te ajudar daqui em diante. Imagine que você está numa partida de futebol de campo, num campo oficial com 11 jogadores para cada lado e você está jogando de lateral direito. Quantas vezes nesta partida você chutou a bola? Talvez umas 30 vezes. Agora pense que estamos jogando sinuca, eu contra você durante os mesmos 90 minutos. Quantas tacadas você realizou neste período de tempo? Vamos sugerir por baixo umas 300 tacadas.
Enquanto a maioria dos instrutores no Brasil joga “futebol de campo”, eu jogo “sinuca” há anos, isto significa que tenho mais interações e muito mais alunos de um universo amplo que abrange desde Operadores Especiais referência em suas instituições até senhoras quinquagenárias com pouco experiência no manuseio de armas de fogo. Ministro instruções para uma turma de COEsp(Curso de Operações Policiais Especiais) até turmas com a sua maioria de cidadãos comuns(CACs) que estão aprendendo técnicas de Porte Velado Trauma e VCQB® “Combate Veicular”. Estes encontros acontecem numa frequência de duas a três vezes por mês e tem duração de 40 horas por final de semana. Não se enganem, o calendário da ESPERANDIO TACTICAL CONCEPT® está basicamente fechado para os próximos dois anos.

Levando em conta estes dados, as linhas da ETC se tornam um “Laboratório” onde eu posso testar e aprender com públicos, equipamentos, técnicas e backgrounds dos mais variados possíveis e extrair aquilo que é ponto comum e mais eficaz para todos. Depois disso eu coloco em teste nas próximas linhas e volto para esse “Looping de Feedback”, implementando, testando e aplicando.
Agora você entende porque o nosso “Laboratório” funciona 365 dias por ano, porque o trabalho continua fora das linhas buscando as respostas em outras áreas do conhecimento como neurociência, aprendizagem motora, psicologia cognitiva, biomecânica, cinesiologia, neurolinguística, antropologia e qualquer outra matéria que possa trazer um resultado positivo nas linhas.
Confrontando as Técnicas
Passada a fase de mapear as variáveis, chega a hora de confrontar as técnicas e definir a que melhor se enquadra ao contexto. Lembre-se que o contexto dita os Princípios e os Princípios ditam as Técnicas. O confronto se dá partindo dos Princípios mencionados anteriormente: Simplicidade e Economia de Movimentos, porém a eficácia se sobrepõe a estes dois.
“O Contexto dita os Princípios e os Princípios ditam as Técnicas.“
– Receita de Bolo
Isto significa dizer que a técnica simples tem menos chance de falha e a economia de movimentos traz a velocidade, no entanto não basta ser simples e rápida se a técnica é passível de falhas. As falhas não deixam você alcançar o resultado esperado e este resultado te faz vencer um confronto ou sobreviver a ele. Então, entre algo que seja rápido e simples mas que possa não funcionar, damos prioridade a algo que funcione sempre e de preferência que esteja dentro dos Princípios anteriores.
O confronto das técnicas está em depurar o passo a passo daquela habilidade até o seu movimento mais simples e coloca-lá a luz da forma como o seu cérebro e o seu corpo reagem a sua execução.
Vamos tomar como exemplo a técnica de recarga emergencial que consiste em retirar um carregador vazio da arma e inserir um carregador pleno durante uma situação de confronto. O First Principle desta técnica consiste em deixar a arma sem carregador para possibilitar a inserção do novo carregador.

Mapeando duas técnicas de extração:
1) Lançar o carregador por ação da inércia
2) Deixar o carregador cair por ação da gravidade
Pontuamos as falhas de extração evidentes em ambas. Por que são evidentes? Porque acontecem com frequência durante as linhas da ETC e constata-se que os alunos perdem tempo e demandam mais atenção para corrigir essa falha que acontece de forma imprevisível, já que o resultado esperado é que o carregador seja lançado ou caia durante o acionamento do retém.
Com base nestas evidências, eu confronto as duas técnicas como uma terceira variação que consiste em arrancar(puxar) o carregador com a mão reativa e então inserir o novo carregador. Agora eu mapeio as falhas da terceira, o movimento de arrancar quando executado de forma explosiva(força e velocidade), diga-se de passagem evidenciando a resposta natural do seu corpo quando sob estresse, não é suscetível a erros de execução, pois o movimento não depende de fatores externos como ângulo de lançamento, menor atrito do carregador com a arma ou qualquer outra coisa que impeça o carregador de sair, basta ação muscular de puxar e o carregador sairá da arma. Não há variáveis!
Então eu levo em consideração os Princípios da Simplicidade e Economia de Movimentos neste confronto de técnicas, porém eles são suplantados pelo Princípio da Eficácia, pois arrancar também é uma habilidade simples, exige um movimento a mais, no entanto é a prova de falhas.
“Meus alunos extraem o carregador da arma usando a Técnica de Arrancar mais rápido que a maioria dos instrutores que utilizam as duas técnicas anteriores.”
Logo, se comparar lançar o carregador ou deixá-lo cair por ação da gravidade com arrancá-lo, não precisa ser um gênio da biomecânica ou da neurociência para saber que lançar têm uma probabilidade imensa de não cair, enquanto arrancar sempre irá extrair o carregador do receptáculo da arma.
Polegar opositor e o Retém do Ferrolho
Outro exemplo que vai lhe ajudar a construir este raciocínio é o fechamento do ferrolho após uma recarga emergencial. Alguns “ARAUTOS DA SABEDORIA” e da LÓGICA, irão dizer que agir na tecla do retém do ferrolho liberando o mesmo para o seu fechamento é a opção mais óbvia por ser a mais rápida. Nesta parte eu coloco as evidências e a ciência para debater com os argumentos superficiais e não tão óbvios desse “pequenos padawans”.

Fechar o ferrolho com a mão consiste em executar uma ação explosiva trazendo o ferrolho à retaguarda e soltá-lo numa manobra chamada “golpe de segurança”, esta manobra não envolve coordenação motora fina ou complexa, inclusive pode ser executada sem a necessidade da coordenação de olhos e mãos. Diferente de alcançar o retém do ferrolho que pode exigir coordenação de olhos e mão, operação que demanda tempo e precisão. Aliás, para reflexão: É mais fácil encontrar um “grão de arroz” ou uma “cenoura” a distância de um braço em relação aos olhos?


Quando eu comparo a situação do polegar alcançar o retém do ferrolho e não conseguir liberá-lo é pelo fato do polegar não possuir força suficiente para acionar aquela tecla tendo em vista que esta ação é feita com o movimento de flexão do polegar, para isso é ativado o músculo flexor curto. Por sua vez, se o polegar encontrar a tecla do retém do carregador, facilmente irá acioná-la já que para isso o dedo polegar irá realizar um movimento de pinça, que por sua vez é uma ação que envolve flexão, adução e pronação do polegar, o que gera mais força que a anterior já que a adução do polegar é muito forte, além desta ação ser alinhada ao movimento de contração simpática em resposta ao Sistema Nervoso Simpático (A força exercida numa mão é “transferida” para a outra).
“Logo, quando o polegar encontra a tecla, a chance de você não acionar o retém do ferrolho existe e tem uma grande probabilidade de não ocorrer, diferente do retém do carregador que envolve movimentos com maior torque e dentro da reação natural da resposta simpática.”
3 Critérios na Seleção
Depois de definir a técnica o ponto está em desenvolver esta habilidade ao ponto de torná-la executável a um nível subconsciente ou automatizada, no entanto, vou deixar este assunto para o próximo artigo.
Você consegue entender como eu escolho as técnicas e forma como confronto os prós e contras de cada habilidade. Toda a habilidade tem a capacidade de produzir um resultado final desejado, logo existem interferências que podem alterar este resultado. Um bom instrutor sabe como isolar e adotar técnicas menos passíveis de falhas.
O critério sempre irá obedecer aos Princípios da Simplicidade e Economia de Movimentos, porém o Princípio da Eficácia irá se sobrepor a estes. Existe um fator que não foi apontado neste artigo mas que você deve levar em consideração: Você é a maior variável! Não interessa o quanto você é bom em algo e se aquilo funciona apenas para você, na postura de instrutor você deve considerar três fatores:
- Funciona para você?
- Funciona para todos?
- Funciona sempre?
Se houver um “não”, “se” ou “talvez” em alguma das respostas, então está na hora de você reavaliar a sua técnica. Lembre-se que a sua métrica de sucesso na linha como instrutor é medida pela evolução e desempenho dos seus alunos.
Nos encontramos na linha! Vamos com tudo!!!
- Agradecimentos ao amigo Prof. Alessandro de Oliveira Silva pelo apoio na pesquisa sobre a Cinesiologia dos polegares.