Considerações Iniciais
As atividades de tiro esportivo e correlatos, realizados em estandes e clubes de tiro, são bastante interessantes e até divertidas, pois nessas ocasiões testamos as nossas habilidades aprendidas e, ainda, competimos com nós mesmos ou com nossos colegas.
No entanto – sem tirar o mérito de alguma contribuição que esse tipo de atividade possa ter para a preparação do operador que busca a autodefesa – para o enfrentamento em tiroteios serão necessários outros elementos mais específicos a serem incorporados aos protocolos de treinamento.
Ocorre que em um treinamento de autoproteção a execução do tiro será apenas mais uma “peça” que fará parte do espectro de atividades que levarão o operador a obter sucesso em um possível enfrentamento.
Isso posto, este artigo não adentrará ao exame das diversas atividades que compõe a autoproteção e sim abordará os requisitos necessários a serem buscados, tanto em treinamentos como em uma possível ação real, na execução do tiro de autoproteção.
O Tiro de Autoproteção
O tiro de autoproteção, em uma concepção geral, é uma espécie de tiro prático, porém voltado para a atividade tática e não de esporte. É um tiro de caráter técnico/policial que é adaptado para as diversas necessidades e, muitas vezes, assume outros nomes por conveniência dos seus executores, como: Tiro instintivo, Tiro intuitivo, Tiro de defesa, Tiro defensivo, Tiro de combate policial, dentre outras denominações.
O tiro de autoproteção pode ser entendido como um tiro dinâmico em que se busca a precisão pelo perfeito enquadramento do alvo nos fundamentos de tiro, mas também será realizado com o condicionamento do corpo pela memória neural, usando ou não os aparelhos de pontaria da arma. Isso dependerá muito das distâncias dos alvos/oponentes e das circunstâncias do combate. Sobre essa questão faremos, em breve, um artigo específico.
Outrossim, a memória neural, por muitos chamada de chamada de memória neuromuscular, significa o condicionamento motor adequado e já adquirido pelo atirador por ter treinado os procedimentos repetidas vezes – situação em que o fará sempre de forma quase que automática. Portanto, o mais importante é a incorporação da técnica e não a nomenclatura usada.
O Treinamento do Tiro de Autoproteção
O treinamento que envolve essa espécie de tiro deverá ser uma atividade dinâmica que se propõe a reproduzir circunstâncias ocorridas no combate real.
Os fundamentos de tiro já deverão estar consolidados e o treinamento deverá ser constante, prático, objetivo e, o mais importante, sempre imitando o confronto real. Nesse espectro, devem ser buscados um equilíbrio nos Vetores do Tiro de Autoproteção, que podem ser divididos em: Procedimento, Precisão e Segurança (PPS).
A concepção geral, por exemplo, é que nada adianta um atirador colocar todos os disparos bem acertados no alvo, se não souber se abrigar corretamente, ou então não saber sanar as diversas panes de sua arma, ou então ter excelente conduta de posição de tiro, por exemplo, mas ao disparar, os seus tiros não atingem a zona proposta.
Com toda a dinamicidade da atividade, a segurança deve ser alcançada em todos os exercícios e atividades reais de tiro.
Peculiaridades do Tiro de Autoproteção
- A dinâmica, velocidade e movimentação serão sempre buscados em atividades de autoproteção. Nesse contexto, o atirador, ao sacar a arma, fará um alinhamento espontâneo e natural da arma em relação ao alvo, pois nesse tipo de tiro precisa-se de muita rapidez, potência e relativa precisão. Entretanto, a arma já terá que sair rapidamente do coldre, na cintura, e corretamente empunhada, sabendo-se que não haverá tempo para corrigir uma empunhadura incorreta.
- Deverão ser realizados múltiplos disparos, e cada disparo deverá ser rápido, preciso e eficaz, ou seja, deverá acertar uma zona letal do oponente no mais curto espaço de tempo, buscando a sua incapacitação e negando-lhe a possibilidade de atacar.
- A posição de tiro deverá ser tomada da maneira mais natural possível, pois, nessa situação, o que prevalece é um ato de reação a um ataque iminente, quando não se tem muito tempo para assumir posições estudadas e elegantes.
- A pressão feita no gatilho não será lenta e de forma contínua, sem pressa nem interrupções, até o atirador se “surpreender” com o disparo, como é feito no tiro de precisão. Nessa situação, o atirador “comanda” o tiro sem dar a “gatilhada”, ou seja, o disparo será rápido, mas não significa que tenha de ser brusco. Deverá ser executado em dois tempos, quase que simultâneos: tiragem da folga do gatilho e pressão contínua e dinâmica até surgir o disparo.
- A arma sempre estará apontada para o oponente até que seja cessada a ameaça, ou seja, não deve ser preocupação do atirador o local em que o disparo precisamente acertou, mas sim se o agressor foi realmente incapacitado.
- Os dois olhos do atirador deverão permanecer abertos, pois somente assim o atirador não comprometerá a sua visão periférica e não sofrerá com os efeitos causados pelo fechamento de um olho para realizar o disparo, como visão nublada, por exemplo, ao reabrir o olho que se fechou.
Considerações Finais
Os fundamentos de tiro ensinados nas instruções básicas são realmente importantíssimos, tanto que toda vez que o operador vai ao estande a primeira coisa a ser feita será destinar uma fração do tempo disponível para treiná-los.
Esses mesmos fundamentos também serão preciosos para o sucesso em um tiro mais dinâmico como o Tiro de Autoproteção, por exemplo, ou mesmo qualquer modalidade de tiro esportivo. Entretanto, como o próprio nome denota, são requisitos básicos e fundamentais que precisam já estarem incorporados ao atirador para que o mesmo possa seguir o processo de evolução para atividades mais dinâmicas e reais.
No enfrentamento se o operador, ao disparar, ficar buscando um tiro preciso, fechando um dos olhos, demorando vários segundos para a acertar um alvo – que nessa caso é um ser humano mau e enfurecido, certamente terá dado o último disparo da sua vida.
A mesma fatalidade ocorrerá para um atirador que ficar parado, a fim de manter uma posição estável, quando tiver disparando no oponente e ao mesmo tempo recebendo disparos.
Em suma, o atirador que executará o Tiro de Autoproteção, que é uma atividade de sobrevivência, deverá buscar o equilíbrio nos Vetores do Tiro, acima elencados, pois é isso que o colocará em vantagem sobre o oponentes. Tendo os vetores do tiro de autoproteção (Procedimento,Precisão e Segurança) equilibrados, o operador estará em condições de:
- realizar disparos múltiplos, de forma rápida e eficaz (Precisão).
- utilizar, conforme a necessidade, as Técnicas, Táticas e Procedimentos para cada situação (Procedimento).
- manter a sua arma em segurança, tanto para si como para as outras pessoas envolvidas no cenário. (Segurança)
Ainda, o atirador sempre deverá buscar uma proteção. Se possível, primeiro deve abrigar-se e depois disparar.
Por fim, percebe-se que um treinamento de defesa é por sua própria essência bastante diferente de um treinamento desportivo, no entanto o que vai definir o sucesso na hora “H”, além do treinamento, será a sua disposição de viver. Sendo assim, treine para matar pessoas (oponentes) e não apenas para acertar o alvo, isso fará toda a diferença quando o primeiro estampido ou o primeiro grito surgir naquela cenário de medo e terror.