INTRODUÇÃO
Muitas vezes sou questionado por alunos e colegas sobre as armas atualmente empregadas na minha instituição, a saber, em sua maioria pistolas Taurus modelos PT100 e Imbel MD5, e sobre como portá-las de maneira dissimulada. A minha resposta padrão é: “qual coldre e posição de porte você utiliza?”.
Respondo isso porque a dissimulabilidade de uma arma depende muito mais desses fatores do que do modelo da arma em si. É claro que uma arma menor será sempre mais fácil de esconder do que uma arma maior, considerando exatamente as mesmas condições. Por outro lado, armas menores muitas vezes ou não estão disponíveis ao policial regular ou não são de calibre que proporcione um bom desempenho balístico.
Desta forma, apresento aqui algumas considerações sobre o porte velado de armas de fogo, mais especificamente sobre as posições de porte, não com o objetivo de esgotar o assunto, que é muito amplo, e sim visando desmistificar alguns conceitos que levam os operadores a uma escolha muitas vezes inadequadas. Só para se ter uma ideia, nos EUA existem livros inteiros falando sobre o assunto! Um exemplo é o livro do Massad Ayoob que comprei coincidentemente DEPOIS de ter escrito a primeira versão deste artigo! Minha expectativa é conseguir despertar a curiosidade sobre o assunto. Para exemplificar as posições usarei sempre a mesma arma, no caso, uma pistola Imbel modelo M1911 em calibre .45ACP. Escolhi esta arma porque muitos dizem que é grande e pesada sendo, portanto, mais difícil de portar.
Posições de porte
De maneira didática, divido as posições de porte de acordo com dois aspectos:
- Em relação ao corpo: frontal, lateral, dorsal;
- Em relação à mão ativa, ou seja, à mão com a qual o operador tem maior habilidade. No caso dos destros, a mão direita, por exemplo.
Em relação ao corpo, as posições frontais são aquelas em que a arma fica na parte da frente do corpo. Apresentam como vantagem comum a facilidade de retenção da arma, por permitir que o operador deite sobre a arma, dificultando que ela seja tomada. As posições laterais são aquelas em que a arma fica na lateral do corpo. Na posição dorsal, a arma fica na parte posterior do corpo. Em relação à mão ativa, as posições diretas são aquelas em que a mão ativa ataca diretamente a arma, sem a necessidade de cruzar a linha central do corpo. As posições cruzadas são aquelas em que a mão ativa precisa cruzar a linha média do corpo para alcançar a arma.
Vejamos agora as posições de porte:
Porte lateral direto
A forma clássica e empregada pela grande maioria das pessoas é o porte lateral direto. Neste porte a arma fica na lateral do corpo do lado da mão ativa, na linha do osso do quadril ou ligeiramente atrás dele. Este porte traz como vantagens o maior conforto, independentemente do tamanho dela, a possibilidade de se sentar e levantar sem ter que ficar ajeitando a arma e a possibilidade do tiro instintivo com a arma já na linha de cintura.
Como desvantagens traz certa dificuldade de dissimulação, pois é o primeiro ponto observado por quem procura ver se a pessoa está armada, já que é uma posição muito comum. Esta posição aumenta a “largura” do quadril, além de danificar bastante as camisas utilizadas pois a coronha da arma ao se chocar contra superfícies duras acaba por picotar o tecido, provocando furos como se fossem de traças. Outra desvantagem é a dificuldade de saque se o operador estiver sentado em um veículo ou em algum lugar com certa restrição de movimento, como em uma poltrona. Ainda, a retenção fica de certa forma prejudicada, pois se o operador se lançar para o chão tentando deitar sobre a arma para protege-la, terá que rolar para o lado em uma posição muito instável, embora a proteção da arma seja efetuada principalmente com a mão ativa.

Porte frontal direto
Outra posição é o porte frontal direto, em que a arma fica colocada na região inguinal(virilha) do lado da mão ativa. É um porte que apresenta excelente dissimulabilidade com o operador em pé, pois a arma fica facilmente oculta no vão formado pela virilha. Como vantagem traz uma boa dissimulabilidade, apesar de ser uma posição “manjada” por quem procura identificar uma arma, principalmente se utilizado com camisas mais folgadas e compridas. Possibilita uma boa retenção da arma, já que está do lado da mão ativa e, em caso extremo, fica bastante protegida caso o operador deite sobre ela, dificultando o acesso.
Como grande desvantagem traz o inconveniente da arma ficar apontada para a perna reativa do operador, podendo ocasionar uma lesão grave em caso de tiro involuntário, principalmente em situações de retenção. Outro fator negativo é a dificuldade de se sentar, principalmente no porte de armas maiores, pois a arma incomoda bastante. Com isso, há a necessidade do operador ficar ajeitando a arma na hora de sentar e levantar, demonstrando o seu desconforto e, aos observadores mais atenciosos, a presença da arma. Ainda, caso o operador tenha uma protuberância abdominal, conhecida vulgarmente como barriga ou, usando o termo técnico correto, pança, este porte vai ficar bastante prejudicado, senão inviabilizado.

Porte frontal cruzado
Há também o porte frontal cruzado. Neste porte, a arma fica postada também na região inguinal, porém com a base da coronha na linha do umbigo e com o cano direcionado em 45 graus para o lado da mão reativa, de maneira que fica controlado e em caso de tiro involuntário, o projétil não irá atingir o corpo do operador.
É um porte que traz diversas vantagens, como o grande conforto proporcionado, permitindo que o operador se sente ou se levante sem ter que ficar ajustando a arma, proporciona o saque embarcado com facilidade, pois a arma está extremamente disponível, traz boa retenção pois o braço não chega a cruzar totalmente o corpo e, no caso de obstrução, basta uma leve torção do punho para permitir o tiro. Não apresenta uma dissimulabilidade tão boa quanto os anteriores mas, por ser uma posição pouco usual, geralmente não chega a trazer problemas. A dissimulabilidade é aumentada com o uso de um bom coldre. Assim como o porte frontal direto, permite uma boa retenção da arma caso o operador se jogue no chão e deite sobre ela, sem o problema da falta de controle de cano.
Como desvantagens, não é tão prático para o tiro instintivo quanto o porte lateral direto, porém tal possibilidade não está descartada, além de ser uma posição mais difícil de ser adaptada pelo operador, principalmente aqueles com barriga maior. Como já dito antes, funciona melhor com armas menores, porém também funciona bem com armas grandes.

Porte lateral cruzado
Um porte muito visto em filmes é o porte lateral cruzado, no qual a arma fica localizada na lateral do corpo oposta à mão ativa, com a coronha voltada para a frente. Como vantagem, proporciona elevado conforto ao operador e permite que a arma seja sacada mesmo sentado no interior de um veículo. Por outro lado, traz diversos inconvenientes. Primeiramente porque, pela necessidade da coronha ficar voltada para frente, tem como resultado uma pequena dissimulabilidade. A necessidade de cruzar o braço defronte o corpo faz com que a retenção da arma seja prejudicada em situações de combate extremamente próximo, a distâncias menores do que um metro, pois o oponente pode facilmente bloquear o saque segurando o braço do operador, impedindo totalmente a apresentação da arma. Ainda, o fato da coronha ficar voltada para a frente faz com que ela seja literalmente “oferecida” para o oponente, de forma que nos casos de combate extremamente curto, o porte é mais fácil para o oponente do que para o próprio operador. Por este motivo é chamado também de porte “suicida”. Quanto à dissimulabilidade, esta é bastante prejudicada pois como a coronha fica voltada para a frente, acaba por proporcionar um volume exagerado na camisa.

Porte dorsal
Ainda se tratando da linha da cintura, há o porte dorsal, no qual a arma fica nas costas, logo abaixo da região lombar do lado da mão ativa. A linha do cano da arma fica em ângulo entre 30 e 45 graus em relação à linha da cintura e a coronha pode ficar voltada para cima ou para baixo. Com a coronha voltada para cima o operador, ao sacar, volta a palma da mão para fora e insere o polegar entre as costas e a coronha da arma. Nesta posição a coronha vai aparecer com mais facilidade, porém o saque será facilitado pois a pega da empunhadura será feita com quatro dedos livres. Se a coronha ficar voltada para baixo, a dissimulabilidade será um pouco melhor, mas a pega da arma será dificultada pois, ao atacar a arma, serão quatro dedos a serem inseridos entre a arma e as costas.
Outra dificuldade é a maior lentidão ao sacar a arma. Independentemente da posição da coronha, é um porte que proporciona bom conforto quando o operador está de pé, mas que fica extremamente prejudicado quando o operador está sentado. Se o assento tiver encosto, o saque será muito mais difícil. Se não tiver, a arma ficará muito exposta e a dissimulabilidade será muito prejudicada. Ainda, a retenção da arma será extremamente prejudicada, pois não é possível proteger a arma com as mãos de maneira efetiva. Se o operador se jogar ao chão, teria que deitar de costas para proteger a arma e, com isso ofereceria o corpo todo para ser agredido, ficando muito mais vulnerável.


Porte axilar
Além de todas essas possibilidades de porte, ainda há outras duas mais comuns e que merecem comentários. Tratam-se dos portes axilar e de tornozelo. No primeiro, a arma fica suspensa sob a axila com a coronha voltada para a frente. É um dos preferidos de Hollywood e, para que seja velado, obriga o operador a usar um paletó ou casaco. Além deste inconveniente, o fato da coronha ficar voltada para a frente e na altura do tórax do operador, faz com que este seja considerado o autêntico “porte suicida”, pois em caso de combate próximo o oponente facilmente alcançará a arma e, ao conseguir retirá-la, ela estará imediatamente apontada para o peito do operador. Ainda, o saque é consideravelmente mais lento. Apesar desses inconvenientes, traz bastante conforto ao porte e permite o saque sentado em diversas condições, não dependendo muito do tamanho da arma.

Porte do tornozelo
Por último tratamos do porte do tornozelo ou “de canela”, em que a arma fica acomodada logo acima do pé, oculta pela calça. Aí surge a primeira limitação óbvia. O operador deve estar de calça, ficando impossibilitado o uso de bermuda. A dissimulabilidade e facilidade do porte dependerá muito do tamanho da arma, podendo ficar impossibilitadas. O saque não será imediato pois obriga o operador a se abaixar para alcançar a arma. Por outro lado, é um local que fica mais fora da linha de visão e, portanto, apresenta melhor dissimulabilidade, como já dito, dependendo do tipo de arma.

Conclusão
Como já falamos na Parte I deste artigo, a boa dissimulabilidade da arma não depende só da posição de porte, mas também de outros fatores, dentre eles o tipo de coldre, que será assunto da segunda parte deste artigo. O tipo de roupas também interfere na dissimulabilidade, bem como o tipo físico e os hábitos do operador. Não necessariamente um porte que é adequado para uma pessoa será adequado para outra. Ainda, não adianta nada utilizar a arma com determinado tipo de porte se o operador não pratica o saque para aquela determinada posição de porte, visando treinar a memória muscular para evitar erros em situações de necessidade. É como diz o ditado: “você não deve treinar até fazer do jeito certo e sim treinar até não conseguir fazer do jeito errado!”