Virou moda! Atualmente é muito comum ver colegas deixando de usar o colete balístico convencional para adotar os “plate-carriers” ou porta-placas nível III ou IV. Muitas vezes, o “recheio” nem é com a placa e sim com um colete balístico cortado, geralmente de mantas de kevlar. É a nova moda “tacticool“… Quando questionados, tais policiais argumentam que o objetivo é ter mais mobilidade e conforto. Em linhas de tiro, vemos muitos instrutores substituindo os coletes convencionais pelos plates, também sob a mesma justificativa. Será que realmente vale a pena fazer isso?
Antes de responder essa pergunta, seria importante contextualizar o uso dos plates níveis III ou IV. Essas proteções são destinadas a ofensa de calibres de alta velocidade, conforme estabelecido pela NIJ 0101.04:
Ao contrário que muitos pensam, nem todas as placas nível III ou IV DISPENSAM o uso do colete balístico convencional! As primeiras placas desenvolvidas tinham por finalidade apenas deformar o projetil, deixando parte da proteção Balistica, bem como a atenuação do trauma contundente do tiro, para o colete. Ainda, em cenários em que o operador confronta oponentes que empregam tanto calibres de baixa velocidade quanto de alta velocidade, o uso apenas do plate reduz consideravelmente a área de proteção.
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Apenas placas “stand alone” podem ser usadas sem o colete por baixo. Geralmente essas placas são empregadas com o objetivo de reduzir o peso carregado e melhorar a mobilidade do operador. Tomemos como exemplo os combates no oriente médio. Nesse cenário, as tropas são desembarcadas a quilômetros do objetivo, tendo que progredir por grandes distâncias no terreno. Sendo assim, quanto menor a carga, menor será o desgaste do operador. Ainda, no cenário de combate, os oponentes estarão armados majoritariamente com fuzis, de forma que o colete balístico sob a placa de nada adiantaria, uma vez que não é capaz de conter tiros de calibres de alta velocidade.
Outro exemplo são nas operações do COT/DPF. Muitas dessas operações, especialmente em áreas de fronteira, combatendo narcoguerrilhas, demandam longas progressões no terreno, muitas vezes por dias. Os oponentes empregam, também, majoritariamente armas de alta velocidade, de forma que o uso do colete sob o plate seria uma carga desnecessária.
E em cenários cujos oponentes NÃO empregam fuzis ou então há um número considerável de oponentes empregando calibres de baixa velocidade? Neste caso, o uso apenas do plate não seria interessante, em virtude da perda de uma área considerável de proteção. Veja na imagem:
Observando a Figura 2, nota-se a área de proteção do colete balístico, que é consideravelmente maior que a área do plate. Note também que há uma linha amarela tracejada na imagem. Essa linha representa a área de proteção efetiva do colete, uma vez que as bordas são pontos de fragilidade da estrutura. Se o projétil atinge uma região até 3”(três polegadas ou 7,5 centímetros) distante da borda, o tecido do colete irá se dobrar e o projétil muito possivelmente vai conseguir penetrar no corpo. Essa margem é estabelecida inclusive na própria NIJ 0101.04, para a realização dos testes nos coletes balísticos:
Ainda analisando a Figura 2, percebe-se que o plate protege uma região extremamente importante, onde estão órgãos vitais e extremamente vascularizados. Se a pessoa toma um tiro nessa região, corre sério risco de morte! Mas aí você pensa: “Ah! Mas o plate protege o essencial!” Sim e não! A área não protegida pelo plate também possui estruturas importantes e se a pessoa toma um tiro nessa região, também corre risco de morrer! Ainda, a proteção desses coletes é mostrada frontalmente, porém os tiros nas situações de combate podem vir de várias direções! Assim, caso o projétil tenha incidência oblíqua, pode entrar em uma área não protegida pelo plate e atingir alguma estrutura mais crítica!
Para enfatizar ainda mais a importância de maximizar a área de proteção, veja a tabela seguinte, extraída do Law Enforcement Officers Killed and Assauted – LEOKA, relatório anual elaborado pelo FBI, analisando os confrontos envolvendo policiais:
É possível perceber, ainda analisando a tabela anterior, que as mortes dos policiais ocorreram em sua maioria porque os projéteis atingiram o tronco entraram por pontos não protegidos pelo colete. Esse fator demonstra a importância da maximização da área de proteção dos coletes balísticos e a perda dessa proteção ao se utilizar apenas o plate em situações em que há risco do operador ser atingido por projéteis de calibres de baixa velocidade.
Não poderíamos deixar de tratar neste artigo do auge da modinha dos plate carriers! Atualmente, principalmente nas redes sociais, vemos muitas pessoas, inclusive instrutores de tiro, desfilando com plate carriers. Será que nesses casos todos a pessoa está usando pelo menos o plate neles? Infelizmente não… Como muitos não possuem o plate nível III, “resolvem” a situação cortando ou dobrando o colete balístico para que ele caiba no plate carrier. Essas pessoas fazem isso argumentando que assim terão mais mobilidade, e realmente terão! Mas, será que vale a pena?
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Neste mesmo artigo já foi comentado sobre a fragilidade das bordas do colete. Essa fragilidade, na margem de três polegadas, acontece mesmo com a costura feita pelo fabricante para união entre as diversas camadas de tecido. Quando a pessoa corta o colete, certamente não conseguirá fazer uma costura semelhante a do fabricante, de maneira que a borda te fragilidade do colete será ainda maior! Ou seja, a área de proteção oferecida pelo colete cortado será ainda menor que a área de proteção do plate! Veja na Figura 3 como essa redução significativa!
Dependendo da arquitetura do colete, pode ser que as placas não fiquem unidas o suficiente, tornando-o totalmente frágil! O maior problema desse tipo de “gabiarra” é que as pessoas ficam com uma falsa sensação de segurança, pois pensam estar protegidas quando na verdade não estão! O colete balístico é grande, pesado e desconfortável mas prefiro bancar e estar protegido do que usar algo que simplesmente não funciona. Se você está achando sugado usar um colete, recomendo de trabalho melhor o seu condicionamento físico e não reduza a sua segurança. É justamente o argumento de perda de mobilidade que muitos policiais antigos usavam para não usar colete nenhum. Hoje sabemos da redução significativa das mortes de policiais em virtude do uso de coletes. No caso de instrutores de tiro que fazem isso, acho muito pior! Como formadores, estão ensinando através do exemplo, algo que coloca em sério risco a vida de quem emprega.
Para finalizar este artigo e ilustrar a importância da contextualização do colete balístico com o cenário de combate e com a área de proteção, nada melhor que um estudo de caso, que ocorreu com um militar do Exército em missão no RJ. Ele estava equipado com um colete balístico nível IIIA e com um plate nível III.
Durante a missão ele foi atingido na região lombar, no ponto circulado. Note que a região corresponde à coluna lombar. A imagem ao centro mostra o plate e o círculo mostra uma pequena deformação na borda, que foi produzida pelo impacto de um projetil de calibre 7.62x51mm NATO. Na imagem mostrando o colete balístico, o circulo indica o ponto de impacto do projetil. É importante notar que se não fosse pelo colete balístico corretamente usado por baixo, na melhor das hipóteses o militar estaria paraplégico! Isso se ele sobrevivesse, pois um tiro nessa região é extremamente complicado! Note também o que já foi comentado sobre a área de proteção do colete. Se fosse um tiro de pistola em um colete cortado e colocado em um plate carrier, certamente o projetil teria atingido a vítima, pois a borda iria se fletir e entrar. Mesmo se fosse um plate rígido, no ponto atingido o projétil ainda penetraria no corpo, uma vez que o plate tão somente alterou a trajetória do projétil.
Este caso é um dentre vários! Espera-se que depois dessa breve saga as questões relativas ao plate carrier estejam esclarecidas. Se este artigo conseguir convencer sequer um operador a não usar um colete balístico cortado no plate carrier, o tempo dedicado para escrevê-lo já vai ter valido a pena!