Introdução
Leo Frankowski é um brilhante engenheiro com várias patentes e muitos livros de ficção científica em seu nome. Ele e eu colaboramos em várias obras militares de ficção científica. Ele diz que, “nas paredes dos vestiários dos engenheiros, você encontrará uma placa onde se lê ‘KISS!’ Quando alguém pergunta do que se trata, lhe dizem que significa “Keep It Simple Stupid” (Que em tradução livre pode ser interpretado como “não complique seu estúpido!”). Esta regra fundamental também se aplica no treinamento e preparação de guerreiros para o combate.
(GROSSMAN, 2017, p. 27)
Mesmo com quase todos os seriados policiais tentando mostrar o contrário, a simplicidade sempre foi o maior vetor de sucesso. Mesmo para as ações mais audaciosas já vistas, em termos táticos. Quem já participou de uma operação policial, com ou sem confronto armado, vai entender e concordar com a importância da simplicidade e com o poder que a tensão das ocorrências tem de complicar as coisas e fazê-las darem errado para quem não se preparou para situações absurdamente óbvias. Precisamos entender por que a simplicidade é tão importante para a tática e como devemos buscá-la.
Simplicidade, ciência e a atuação policial
A atuação policial é extremamente complexa por si só, pois precisamos tomar decisões vitais em segundos, com consequências muito sérias para a sociedade e para a integridade física do próprio operador. Além disso, o policial precisa dominar o uso de uma série de equipamentos que podem estar disponíveis para o seu trabalho, como armas de fogo, instrumentos de menor potencial ofensivo, equipamento radiotransmissor, dentre outros. A demanda de treinamento específico é gigantesca, uma vez que o policial precisa estar preparado para fazer uso de cada instrumento e equipamento, de forma rápida, precisa, sob grande tensão e realizando análises jurídicas sob pena de ser responsabilizado pelo abuso de sua autoridade, excesso no uso da força ou pela omissão de dever agir.
O psicólogo experimental William Edmund Hick, em 1952, pesquisou e escreveu sobre um assunto que ficaria conhecido posteriormente como “lei de Hick”. Em seu trabalho, ele analisou o tempo de tomada de decisão mediante o número de escolhas apresentadas como opção. Com isso, chegou à conclusão de que ao aumentar o número de opções de uma para duas, o tempo de resposta sobe mais de 50%, de maneira logarítmica. Esse tempo de resposta é chamado de “taxa de ganho de informação”.
Algumas questões interferem nesse tempo de resposta e a principal delas é o estímulo ser conhecido ou não, pois estímulos conhecidos geram respostas mais rápidas, e é aí que precisamos trazer essas noções da ciência para nossa realidade da atuação policial e metodologia de treinamento, pois precisamos refletir sobre a relação entre carga horária e conteúdo ministrado para desenvolver uma nova habilidade.
Treinamento eficiente
Algo que sempre observei nas instruções de tiro que ministrei formalmente pela minha instituição, nos cursos de formação, é que dificilmente o aluno saía preparado para solucionar uma pane de tiro, simplesmente pelo fato de que passávamos mais de uma forma de solucionar a pane e não havia tempo para simular essas panes e transformar o estímulo em algo conhecido, além do aluno ser bombardeado com várias opções, que iriam demandar maior tempo para uma resposta adequada no cenário real.
No manual sobre armamento e tiro dos Marines, eles ensinam uma técnica para solução de panes chamada “Tap Rack and Bang” (Bater, ciclar e atirar), que se resume a bater no carregador, manobrar o ferrolho da arma e tentar atirar novamente. Essa solução serve para a maioria das panes e se torna muito mais simples de ser ensinada no curso de formação e é muito mais compatível com o cenário de prejuízo cognitivo das situações de estresse. A simplicidade da ação torna o procedimento eficiente, mesmo que não resolva todos os casos.
Planejamento operacional
Quem planeja e/ou executa operações táticas, tanto de cunho convencional quanto de ações táticas especiais, consegue perceber com maior facilidade quais são as fricções envolvidas em cada situação e como se preparar melhor para isso.
Outro aspecto a ser observado é sobre a simplicidade da orientação aos operadores que participarão da ação, a respeito do que devem fazer e qual objetivo deve ser atingido. Para isso, faço referência ao trabalho dos pesquisadores Franklin Henry e Donald Rogers, que em 1960 verificaram em suas pesquisas que aumentar o número de tarefas aumenta também o tempo de execução da primeira tarefa. Você pode estar achando que isso parece óbvio, mas te convido a tentar enxergar de outra forma.
Eles mediram o tempo em que uma pessoa levava para cumprir uma tarefa simples (acender uma luz), depois adicionaram outras tarefas e mediram novamente o tempo que esse mesmo indivíduo levava para cumpri-las, porém só estava sendo analisado o tempo levado para execução da primeira, que não tinha mudado. Pelo fato de ter outra atividade para executar após acender a luz, a pessoa demorava mais para acender. Isso nos mostra o motivo pelo qual precisamos ser objetivos nas orientações, de modo a exigir o mínimo possível do cognitivo do operador com questões desnecessárias à compreensão da tarefa dele e do objetivo da missão.
Para além da ciência, William McRaven, em seu livro “Spec Ops” (1996), listou seis princípios para condução de Operações Especiais:
- Simplicidade
- Segurança
- Repetição
- Surpresa
- Rapidez
- Propósito
Simplicidade é o primeiro item e isso não é à toa, pois, segundo o autor:
“Simplicidade é o mais crucial e algumas vezes o princípio mais difícil de cumprir. Como se faz um plano simples? Existem três elementos da simplicidade que são críticos para o sucesso: Limitar o número de objetivos, boa inteligência e inovação.”
MCRAVEN (1996)
Para ser simples e ter maior chance de fazer o plano dar certo, não podemos querer tudo ao mesmo tempo. Limitar o número de objetivos é vital para vitória. Sobre a observação do autor a respeito da boa inteligência, isso se refere às informações obtidas sobre a missão. Quanto menos incógnitas tivermos, melhor será o planejamento. Sobre inovação, podemos entender como o uso da tecnologia e a criatividade para pensar soluções não convencionais para os problemas. Atentar para essas características é a chave para tornar todos os passos seguintes mais favoráveis e menos arriscados.
Conclusão
Analisando os dados da ciência, da história e da prática policial enquanto operador e instrutor, não tenho receio algum em dizer que buscar excelência e alta performance é sinônimo de buscar a simplicidade em sua essência. Entretanto, gostaria de encerrar esse texto com o aviso do autor Kenneth Murray, que em seu livro “Training at the speed of life” (2004) alerta para a diferença entre simplicidade e facilidade, dizendo que simplicidade é buscar o menos complexo, enquanto facilidade significa buscar menor esforço. Nem sempre a solução mais simples será a mais fácil, mas certamente terá maior chance de dar certo por ser a menos complexa para solucionar o problema. Busque simplicidade, não facilidade!