Há muita desinformação ao redor dos supressores de ruído, também chamados de silenciadores. Para compreender melhor essa solução, vale voltar um pouco na história, ir ao encontro a sua origem. Hiram Percy Maxim foi o responsável pela invenção, no início do século passado. O norte-americano era um entusiasta da prática do tiro, porém não gostava do incômodo que o barulho causava nas outras pessoas.
No livro Experiences with the Maxim Silencers, o inventor reforça que o silenciador foi desenvolvido para atender ao seu desejo pessoal de praticar o tiro ao alvo sem criar distúrbios[1]. Maxim recebeu o registro de sua patente em 1909 e, através da Maxim Silencer, iniciou a fabricação e comercialização de silenciadores para armas de fogo.
A obra citada foi publicada em 1915 e reúne relatos de diversos usuários dos silenciadores fabricados por sua empresa. Quem aprendeu sobre esses equipamentos através das telas do cinema irá se surpreender com o perfil dos depoentes, pois não eram assassinos profissionais nem integrantes de grupos mercenários paramilitares. O livro compila depoimentos de pessoas comuns, cidadãos dos EUA que introduziram os silenciadores na prática de atividades cotidianas que envolvem a aplicação de armas de fogo.
É fascinante ler um pai contando como o silenciador facilitou a introdução de seu filho menor na atividade do tiro, caçadores relatando os ganhos que a solução trouxe às caçadas, pessoas comuns satisfeitas com o conforto proporcionado pela invenção de Maxim. No livro, são citados, também, relatórios militares sugerindo que o acessório facilita o aprendizado dos recrutas e otimizam o desempenho dos soldados nos campos de batalha. Isso tudo relatado há mais de 100 anos.
O que são silenciadores?
Silenciadores são soluções que têm como finalidade diminuir os decibéis (dB) gerados pelo tiro. Em geral, assumem a forma cilíndrica e são encaixados à boca do cano. Normalmente, o interior do cilindro é dividido em câmaras e furos maiores do que o diâmetro do projétil a ser utilizado, são alinhados com eixo longitudinal da alma da arma de fogo[2]. Assim, o projétil tem livre passagem, enquanto boa parte dos gases quentes em expansão são contidos, redirecionados e acomodados dentro do supressor, diminuindo, de forma potencialmente significativa, os sons oriundos do tiro.
Vale ressaltar que o funcionamento de uma arma pode gerar ondas sonoras de fontes distintas. Assim como a expansão abrupta dos gases saindo do cano é barulhenta, o atrito entre as peças da arma gera som e o voo dos projéteis supersônicos também é ruidoso, em razão do estrondo sônico. Portanto um supressor tem atuação limitada, agindo tão somente na contenção dos gases; o que não compromete sua relevância, visto que, normalmente, essa é importante fonte de decibéis.
Antes de prosseguir, é importante contextualizar uma discussão comum ao redor do assunto, a conveniência do uso da palavra silenciador. Apesar de ser o termo com que Maxim batizou sua invenção, há quem o considere tecnicamente incorreto, pelo fato de o acessório mitigar os ruídos oriundos do tiro, mas não tornar o conjunto de fato silencioso. Esses partem da premissa de que o silêncio seria a ausência de sons audíveis e defendem que o correto é utilizar a expressão supressor de ruído. Porém parece uma visão cartesiana demais para se tratar a linguagem.
Vejo alguns motivos para considerar o uso do termo silenciador. Primeiro, pelo simples fato de a tecnologia ter sido batizada pelo seu criador como tal. Além disso, silenciador figura nos dicionários com a acepção de dispositivo para diminuir o ruído das armas de fogo. E, também, não podemos perder de vista que a linguagem não é matemática, mas fruto do exercício da fala em sociedade.
Nesse contexto, se observarmos a linguagem aplicada, o silêncio parece ser tratado de forma relativizada, podendo até ser graduado. Por exemplo, o silenciador que compõem o sistema de exaustão dos veículos a combustão não elimina os ruídos gerados pelos motores, nem por isso é chamado de supressor. Outros equipamentos, quando comparados quanto aos níveis de ruído, são classificados como mais silenciosos ou menos silenciosos.
Os próprios ordenamentos jurídicos, não raro, utilizam o termo silenciador, no Brasil e no exterior. O Bureau of Alcohol, Tobacco, Firearms and Explosives, agência norte-americana que, dentre outras atribuições, regulamenta sobre venda, posse e transporte de armas de fogo, trata os dispositivos que diminuem os ruídos gerados por essas como silenciadores. Portanto, nesse texto, silenciador e supressor serão considerados sinônimos.
Qual a aplicação prática dos supressores?
Muitos ainda têm uma visão limitada, e não raro distorcida, sobre a aplicação desses equipamentos. Talvez, por influência dos filmes de Hollywood, onde os vilões se valem dessas engenhocas como parte de seu ardil. No entanto, vincular essa solução a atividades furtivas e possíveis intenções criminosas é um grande equívoco.
Vou começar destacando um viés desse equipamento pouco tratado em nosso país, sua função como equipamento de proteção individual e coletiva. Não é novidade que o ruído gerado por um tiro atinge níveis de intensidade que podem prejudicar de forma irreversível, imediata ou progressiva a audição do ser humano[3].
Nesse contexto, em documento publicado em 2017, a National Hearing Conservation Association, instituição norte-americana dedicada à saúde auditiva, sugere, aos adeptos do tiro recreativo, a utilização dos supressores como estratégia de prevenção de danos aos seus ouvidos. Pois praticamente todas as armas de fogo não suprimidas operam acima de 140 dB [4], número que é considerado o limite de segurança auditiva sugerido pelas normas de segurança do trabalho, no mundo. Acima de 140 dB, os prejuízos à audição podem ser imediatos, independente de constância.
Recomendação parecida já havia sido feita em 2014, em um relatório do programa Health Hazard Evaluation, apadrinhado pelo National Institute for Occupacional Safety and Healthy (NISOH), divisão de um departamento do governo dos EUA. O foco do estudo foi a exposição dos instrutores de armamento e tiro às pressões sonoras durante os treinamentos em estandes fechados. Em síntese, a pesquisa sugere que esses profissionais são expostos a níveis perigosos de pressão sonora e recomenda, dentre outras medidas preventivas, o uso de supressores de ruído nas armas de fogo[5].
Mas os supressores não se resumem a equipamento de proteção, eles podem trazer outras vantagens funcionais a depender da atividade. No universo da caça, por exemplo, dependendo da configuração do equipamento e da distância, o supressor pode reduzir a pressão sonora a ponto de não afugentar os animais ao redor. Além de preservar a audição do caçador sem prejuízo de sua consciência situacional, o que repercute positivamente na segurança da atividade. Utilizar protetores auriculares pode até ajudar na prevenção da perda auditiva, mas ao limitar a percepção sonora do ambiente, expõe o caçador a riscos.
Embora os tiros suprimidos continuem sendo ouvidos, há uma mitigação considerável do incômodo causado aos que operam o equipamento e aos que estão ao seu redor. Assim, perturba-se menos a vizinhança dos locais onde há atividade de tiro e torna sua prática mais agradável. Os supressores podem auxiliar, também, na introdução de novos praticantes ao tiro, tanto pelo maior conforto auditivo como pelo menor recuo proporcionado. Pois funcionam, ainda que de forma secundária, como freios de boca. No processo de contenção dos gases, os defletores internos são empurrados por esses para frente, gerando um vetor de força contrário ao do recuo da arma.
Os silenciadores também reduzem a assinatura luminosa do conjunto. Ao conter os gases incandescentes, funcionam como “quebra-chamas”. E, não raro, são mais eficientes nessa missão do que os próprios acessórios dedicados a ela. Um motivo a mais para justificar seu uso por militares e agentes da segurança pública.
À luz da tática operacional, num cenário adverso, o flash luminoso não apenas denuncia a posição do operador como, a depender do nível de luminosidade e do confinamento, pode ofuscar sua visão e desorientá-lo. Algo ainda mais crítico quando se utilizam de óculos de visão noturna, pois esses equipamentos amplificam as emissões de luz.
Além disso, diminuir o nível de ruído no cenário operacional permite mitigar o caos do confronto, melhorando a qualidade da comunicação entre os membros das equipes e, consequentemente, a coordenação da missão.
A eficiência dos supressores
Importante salientar que os supressores apenas mitigam os ruídos do tiro e, ao contrário do que muitos pensam, os decibéis residuais passam longe de deixar o conjunto oculto ou despercebido. Diferente da ficção, o som que resta é mais do que suficiente para denunciar o atirador. Os supressores roubam cerca de 30 decibéis do conjunto[6], aproximadamente o mesmo que um abafador de ruídos faz. Em regra, apenas traz a pressão sonora para níveis que perturbam menos a saúde de quem opera o equipamento e dos que estão ao redor.
O tiro de um fuzil AR, utilizando o calibre 5,56x45mm, na média, gera cerca de 165 dB . Utilizando um supressor, esse número cai para o entorno dos 135 dB. Uma forma fácil de entender a intensidade relativa desse número é compará-lo com outras fontes de ruídos mais familiares. Uma britadeira gera 130 dB, uma sirene de ambulância 120 dB, uma motosserra 110 dB, uma motocicleta 100 dB… ou seja, o tiro de um AR-15 suprimido nunca passará despercebido. Se você acreditava em longas-metragens, deve estar desapontado. A narrativa de que os supressores impedem a identificação do tiro, provavelmente, vem de pessoas que nunca utilizaram um.
Supressor afeta a precisão?
A princípio, um supressor, devidamente dimensionado e corretamente fixado, não trará decréscimo de precisão. Se estivermos tratando de conjuntos destinados a aplicações de precisão propriamente ditas, é possível e provável que a instalação do supressor cause mudança aferível do ponto de impacto. Pois a massa do acessório acoplado irá interferir no padrão dos harmônicos do cano. Mas basta zerar novamente o equipamento e o problema estará resolvido.
Em tese, o supressor pode até proporcionar acréscimo de precisão ao conjunto, pois a massa extra adicionada ao cano pode diminuir a amplitude de suas vibrações no momento do tiro e, consequentemente, entregar grupos menores. Além disso, ao conter a dispersão abrupta dos gases, o supressor pode minorar a ação das turbulências que afetam a base dos projéteis na zona de transição, onde apesar de fora do cano, ainda sofrem influência dos gases.
Nos conjuntos destinados a atividades desportivas dinâmicas, operacionais de assalto ou autodefesa, essa teoria nem merece muita atenção. Pois, nesses casos, a alteração dos harmônicos, normalmente, não traz mudança relevante do ponto de impacto.
Considero importante analisar esse assunto considerando além do potencial intrínseco do equipamento. O tamanho dos grupos é fruto, também, da interação do equipamento com seu operador. Dependendo da atividade, uma arma que ofereça, por exemplo, menor recuo pode, indiretamente, proporcionar acréscimo de precisão. E os supressores podem ajudar nisso, ao minorar o recuo. Essa menor movimentação facilita a gestão do tiro, tanto prevenindo a antecipação do tiro, como otimizando o processo de reenquadramento do alvo.
Supressor diminui a velocidade do projétil?
Não há motivos para que o uso de um supressor implique em diminuição da velocidade inicial do projétil. Na verdade, em tese, o supressor afeta a velocidade inicial positivamente, pois, em parte, funciona como uma extensão do cano. Dependendo do conjunto e da qualidade do cronógrafo, pequenos acréscimos de velocidade inicial dos projéteis poderão ser mensurados, em razão do uso de um supressor.
Supressores são proibidos no Brasil?
Proibidos não, mas são considerados de uso restrito. O que significa que sua aquisição depende de autorização da autoridade competente. De acordo com a Portaria nº 136 – COLOG, de 8 de novembro de 2019, a aquisição de acessórios considerados controlados deve ser precedida de autorização. A norma ressalta que ao atirador desportivo e entidade de tiro poderá ser concedida autorização, desde que a utilização do acessório esteja prevista nas regras da competição; e inclui a possibilidade de autorização, também, ao caçador, desde que devidamente fundamentada a necessidade.
Apesar do silenciador ter surgido e se popularizado no ambiente civil, com o passar dos anos foram aparecendo dificuldades de acesso da população ao equipamento. As regulamentações variam muito em todo o mundo. Mas parece que a desmistificação do acessório e a comprovação de seus diversos benefícios têm impulsionado a flexibilização dessas restrições em algumas partes do globo.
Na Europa, o supressor é permitido, ainda que controlado, na maioria dos países. Inclusive, a Diretiva (UE) 2017/853 sugere aos Estados membros que aos cidadãos que tenham permissão ou direito de possuir uma arma de fogo, também deva ser concedido o direito de possuir supressor que se encaixe na arma, sem necessidade de permissão especial.
Atualmente, nos EUA, a aquisição do supressor é permitida, de forma controlada, em 42 dos 50 estados. A legalização do uso do supressor na atividade de caça, em 18 desses estados, ocorreu de 2011 para cá. Nesse mesmo período, a posse do supressor foi legalizada em 3 estados.
No Brasil, apesar do supressor não ser considerado item proibido e apesar da legislação prever hipóteses onde a autorização de compra é passível de ser concedida, são raros os relatos de autorizações concedidas.
No universo militar e policial, ocorre movimento similar. Desde muito, os silenciadores são utilizados nessas áreas, mas restritos a unidades de operações especiais, atiradores de precisão e atiradores designados. No entanto, a compreensão dessa tecnologia tem sido responsável por estender a abrangência de suas aplicações, trazendo-a para dentro das tropas regulares.
Recentemente, as forças armadas dos EUA anunciaram a aquisição de 30.000 supressores para equipar suas unidades de Infantaria. O suficiente para equipar o M4 de praticamente todo fuzileiro norte-americano em operação, no globo. Esse projeto é fruto de uma visão macro e sistêmica, com foco além operador. Apesar do papel do supressor como equipamento de proteção e potencial garantidor de desempenho individual, sua utilização pode ter consequências coletivas estratégicas.
Outra iniciativa que ilustra essa tendência foi protagonizada pelo Departamento de Polícia de Spokane, cidade norte-americana. Em 2017, todos os fuzis da corporação foram equipados com supressores. Além das questões já discutidas até aqui, uma outra argumentação foi trazida pelos gestores daquele departamento para justificar a decisão: preservar os cofres públicos de futuras indenizações a policiais, em razão de perdas auditivas. Pois há indícios científicos de que danos irreversíveis acometem parcela significativa dos policiais daquele país[7].
Considerações finais
Esse artigo passou longe de esgotar o assunto. Detalhes técnicos do uso prático dos silenciadores não foram foco desse texto. Como a presença desses acessórios, no Brasil, ainda é muito restrita, preferi dar prioridade e ênfase no esclarecimento da solução em si. Se os supressores fossem uma opção mais acessível no país, valeria a pena debruçar sobre algumas peculiaridades como a importância da escolha do material para a vida útil do equipamento, a relação dos supressores com os mecanismos de preparação das armas, as opções de encaixe do equipamento à boca do cano e suas implicações, as diferenças de projetos estruturais, dentre outras.
Por enquanto, reuni nesse texto as informações que considerei essenciais à compreensão geral dos supressores: sua eficiência real, suas limitações e seus benefícios potenciais. E considero importante que esse assunto continue sendo discutido em todos os meios onde as armas de fogo são empregadas, seja para fins de defesa ou recreativo. E que as análises aconteçam à luz da ciência, numa tentativa de levar a racionalidade e a razoabilidade até as normas legais e aos agentes públicos.
[1]MAXIM, H. P. Experiences with the Maxim Silencer. [s.l: s.n.].
[2] MAXIM, H. P. Silent Firearm, 30 mar. 1909.
[3] CHEN, L, BRUECK, SE.Noise and Lead Exposures at an Outdoor Firing Range Health Hazard Evaluation Report, 2011
[4] STEWART, M. et al. NHCA Position Statemente: Recretional Firearm Noise. NHCA Task Force on Prevention of Noise-Induced Hearing Loss from Firearm Noise. 16 mar. 2017.
[5] BRUECK, SE, et al. Measurement of Exposure to Impulsive Noise at Indoor and Outdoor Firing Ranges during Tactical Training Exercises. Health Hazard Evaluation Report HE. jun. 2014.
[6] HEISKELL, L. Does SWAT need suppressors? Police: The Law Enforcement Magazine, p. 59–62, ago. 2009.
[7] WIN, KN. et al. Noise-Induced Hearing Loss in the Police Force. Saf Health Work. 4 fev. 2015