Introdução
Não é simples abordar a temática da vitimização policial no Brasil. Como busquei esclarecer no artigo Dinâmicas de combate no Distrito Federal: A realidade enfrentada pelo policial militar de 2015 a 2020, ainda não adotamos a prática de produzir, catalogar e interpretar, de forma sistemática e oficial, dados relativos a atividade policial, em especial sobre mortes de profissionais de segurança pública e as dinâmicas dos confrontos em que se envolvem diariamente.
Venho me dedicando, dentro das possibilidades, a preencher esta lacuna e incentivando outros profissionais a se empenharem neste objetivo. Minha esperança é que, em um futuro breve, surjam projetos institucionais, baseados em dados oficiais, que possam nos oferecer um panorama, nos moldes do LEOKA/FBI. Enquanto isto não ocorre, continuarei a empreitada de produzir dados sobre dinâmicas de combate e vitimização policial, com os meios disponíveis.
Assim, decidi realizar levantamentos mensais, com o propósito de, ao final de cada ano, apresentar um relatório robusto sobre cenários, dinâmicas e os envolvidos nas situações que resultem na morte de policiais brasileiros.
Este primeiro recorte cobre o mês de janeiro de 2021, focando em (a) mortes violentas intencionais de policiais militares, civis, penais, rodoviários federais e federais, tenham elas ocorrido em serviço ou fora; (b) mortes decorrentes de acidentes em serviço; e (c) suicídios. Buscarei ser simples e conciso, pois, por se tratarem de dados referentes a apenas um mês deste ano que se inicia, ainda não é possível traçar conclusões.
Metodologia
A metodologia utilizada neste artigo foi semelhante àquela do relatório citado mais acima, que cobriu a realidade do Distrito Federal. Em suma, foi feita uma extensa pesquisa de notícias no portal de busca Google, estruturada sobre termos específicos, ao que se seguiu a catalogação dos dados levantados.
Visão geral
Em janeiro de 2021, foram noticiados:
a) 26 policiais assassinados fora de serviço;
b) 1 policial assassinado em serviço;
c) 4 policiais mortos em acidentes com viaturas;
d) 1 policial vitimado por disparo acidental durante serviço; e
e) 11 casos de suicídios.
A respeito deste último recorte, isto é, dos suicídios, convém ressaltar que, em razão de padrões éticos adotados por muitos sites de notícias, eventos assim tendem a ser divulgados de forma restrita ou são omitidos. Portanto, é possível que o número apontado seja inferior à realidade.
Mortes violentas intencionais: Aspectos gerais
Foram noticiadas 27 mortes violentas intencionais, sendo que em aproximadamente 96% dos casos, o policial se encontrava fora de serviço.
A única morte violenta intencional de profissional ocorrida durante o serviço foi o triste caso do CB Vilhena, da Polícia Militar do Estado do Pará, vitimado por golpes de barra de metal desferidos por um homem supostamente em surto psicótico.
Quanto aos dias de incidência, apesar do recorte pequeno, verifica-se um maior número de casos de sexta-feira a domingo, com leve redução durante a semana. Sobre este ponto, cumpre ressaltar que, em 2 oportunidades, não foi possível identificar o dia (gráfico 3) em que se desenvolveu confronto, tampouco o período (gráfico 4).
No que diz respeito ao período em que se verificaram as interações violentas, noite e madrugada, quando somados, se destacaram em relação a casos ocorridos durante o dia, o que pode apontar para uma preponderância de situações envolvendo luminosidade reduzida.
Os Estados do Nordeste e Sudeste apresentaram a mesma quantidade de casos, 10 cada. São Paulo e Rio de Janeiro, por sua violência endêmica, não causam espanto por estarem no topo da lista. No entanto, a situação do Pará chama a atenção, especialmente pelo fato de, dos 4 casos relacionados, 3 envolverem policiais penais, mortos em contexto de execução.
Dos 27 casos noticiados, a maioria envolve policiais militares, seguidos de policiais penais. Quanto ao gênero, todos os profissionais mortos em janeiro eram do sexo masculino.
Em relação ao cargo dos agentes envolvidos, com exceção das polícias militares, há uma grande variação de nomenclaturas e das próprias estruturas institucionais. Assim, apenas os casos envolvendo profissionais daquela instituição foram catalogados, havendo uma incidência maior de ataques contra cabos e sargentos, policiais experientes.
Por fim, quanto aos aspectos gerais, foi possível registrar as idades de 24 dos 60 antagonistas envolvidos nos confrontos, e de 26 dos 27 policiais mortos. As médias apresentam sensível diferença.
As mortes violentas intencionais fora de serviço
Como já indicado, as mortes violentas intencionais fora de serviço representaram a maioria, totalizando 26 situações.
Elas foram praticadas, na via pública em 20 circunstâncias, sendo que 6 ocorreram na frente das próprias residências dos policiais vitimados. Em 8 casos, as vítimas estavam embarcadas em carros. Em 2 ocorrências, não foi possível precisar o local em que as mortes ocorreram.
Como regra, verifica-se que agressores não agem sozinhos em seus intentos criminosos, o que se confirmou nos dados apresentados. Apenas 2 mortes foram causadas por antagonistas solitários.
Em uma grande quantidade de situações, foram notados indícios de execução. Dos 7 latrocínios noticiados, em 1 deles, um policial militar de Pernambuco foi morto friamente na Bahia, após ser identificado, enquanto os antagonistas realizavam roubo em sua residência. A frase proferida por um deles, antes do ato, é emblemática e mostra a grande hostilidade a qual policiais estão submetidos neste país: “Mata, é polícia! Mata! Pode matar, é polícia!”
Quanto às mortes classificadas como causadas por “outro policial”, 2 delas decorreram de tragédias envolvendo policiais em serviço, que confrontaram as vítimas, fora de serviço. Em 1 caso, a morte decorreu de desentendimento entre dois policiais militares em um bar, no Estado de Goiás.
Os dados apresentados pelas reportagens permitiram que fossem classificados padrões de reação dos policiais, diante das interações violentas. Dos 26 policiais mortos, 7 deles não reagiram ou não conseguiram reagir aos ataques, o que se relaciona com um contexto de muitas execuções; 5 tentaram se evadir do local do confronto, uma das reações instintivas naturais de sobrevivência. Poucos conseguiram causar algum ferimento em seus antagonistas.
A maioria dos policiais teve sua morte constatada no local dos fatos, sendo que apenas 8 foram conduzidos até hospitais.
Diferentemente do padrão identificado no artigo citado no início do material a respeito da situação do Distrito Federal, os dados sobre armamentos utilizados pelos antagonistas foram escassos. Ainda assim, revólveres se destacaram.
Excluídos os 2 casos de profissionais mortos em confronto com policias de serviço, verificou-se que, de 59 antagonistas, 19 possuíam registros ou condenações criminais; 39 deles não tiveram tais dados informados e apenas 1 não possuía nenhuma anotação.
Por fim, a consequência das mortes praticadas, para os antagonistas, na maioria das situações, foi a prisão. Dos 59 citados, 32 foram presos ou apreendidos. Apenas 5 foram mortos durante a captura.
Conclusões
Como dito anteriormente, os dados indicados neste artigo constituem um recorte de um cenário muito mais amplo a ser delineado ao longo do ano. Extrair conclusões e tendências com base em um universo ainda limitado seria inadequado. Apesar disso, as dinâmicas traçadas podem servir, desde já, para a adoção de medidas institucionais e individuais aptas a mitigarem riscos e impactarem os resultados dos próximos meses.
Aguardemos e torçamos para que haja uma brusca mudança de rumos.