Introdução
Objetivos gerais
Quase sempre que se quer comparar performance ou capacidade balística de algum calibre utiliza-se a Energia Cinética como medida comparativa. Tem-se que, quanto maior a energia do projétil, melhor sua performance. Ultimamente, no entanto, há quem despreze a energia como fator de comparação, supondo que o Momento Linear é melhor medida para este tipo de análise.
Neste artigo compararemos as duas medidas a partir ferramentas estatísticas, de modo a tentar demonstrar qual a melhor medida para comparar a penetração dos projéteis.
Ainda, sugiro que leiam as duas partes do artigo do Perito Criminal Barros (parte um e parte dois) sobre o uso de Energia ou Momento Linear para aferir a penetração dos projéteis. São muito esclarecedores. Este, no entanto, busca ampliar seus resultados, vez que analisa mais dados e diversos calibres.
O que é performance?
Se vamos tratar da performance de uma munição, temos primeiro de definir o que é performance. Performance diz respeito ao desempenho, forma como determinada coisa se comporta execução de algo. Então devemos ter clareza do que é esse “algo”, quais os objetivos buscados para aferir a performance da munição.
Certamente um atirador de precisão está preocupado com a trajetória do projetil a longas distâncias, não importando sua penetração ou perfuração em determinado material. Um caçador de aves precisa de certa dispersão dos balins, mais que expansão do projétil em contato com tecidos moles. Ou seja, performance depende do objetivo.
Para este artigo, trataremos apenas da performance para o tiro defensivo. Ainda, de forma a restringir e delimitar o assunto, utilizaremos como parâmetro o Protocolo do FBI para Munições, onde a penetração em gelatina balística tem importância superior em relação às demais variáveis.
Para compreender o Protocolo do FBI e uma análise mais geral sobre performance das munições para uso defensivo, sugiro o artigo de minha autoria O melhor calibre para autodefesa.
Metodologia
Algumas considerações
Esta análise é baseada apenas na observação do comportamento dos projéteis em gelatina balística. Os dados analisados estão disponíveis no Lucky Gunner. Além disso, ela é uma análise estatística, utilizando dados coletados e fazendo inferências a partir deles.
Considerando todas as demais condições idênticas, um modelo teórico para a penetração parece depender primordialmente de três variáveis do projétil: velocidade, massa e diâmetro. Assim, quanto maiores os pesos e velocidade, maior o poder de penetração. Por outro lado, quanto maior o diâmetro, maior a secção transversal e, portanto, mais difícil de penetrar na gelatina balística.
Os conceitos de Energia Cinética e Momento Linear consideram de forma direta as variáveis massa (m) e velocidade (v), relacionando-as da seguinte forma:
- Energia Cinética: m X v2 X 1/2
- Momento Linear: m X v
Vê-se, primeiro, que a variável velocidade é considerada ao quadrado na Energia. Depois, que Energia e Momento Linear não levam em consideração o diâmetro dos projéteis.
A primeira alternativa para contornar este problema é comparar apenas dados de determinado diâmetro. Mas há dois empecilhos: (1) restringe os dados, quando pretendemos ampliar a análise; (2) não distingue as expansões sofridas pelos projéteis na gelatina balística.
Assim, adotou-se outras estratégias. Foram criadas duas variáveis chamadas Energia Cinética Ajustada e Momento Linear Ajustado, sendo as respectivas medidas divididas pela área da secção dos projéteis. Isto é, representam as medidas por unidade de área, polegada quadrada, do projétil.
Restou, por fim, outro problema: a expansão dos projéteis. Então, foram adotadas duas estratégias, que serão discutidas adiante.
Noções Iniciais de Correlação
Como ferramenta estatística, foi utilizada a correlação entre variáveis. O que isso significa?
Tomemos um exemplo simples. Suponha que queiramos saber se a altura do filho tem alguma relação com a altura do pai. Para tanto, medimos as alturas de sete pais e filhos, conforme tabela abaixo:
# | Altura do pai (metros) | Altura do filho (metros) |
---|---|---|
1 | 1,78 | 1,77 |
2 | 1,83 | 1,84 |
3 | 1,79 | 1,77 |
4 | 1,75 | 1,73 |
5 | 1,83 | 1,82 |
6 | 1,77 | 1,75 |
7 | 1,80 | 1,79 |
Fazendo um gráfico onde cada ponto representa a altura do pai, na vertical, e altura do filho, na horizontal, os pontos ficariam destas forma:
É perceptível que os dados se agrupam em uma ascendente. Isso significa que, com alguma aproximação, quanto maior o pai, maior o filho. Ainda, poder-se-ia criar uma reta ajustada a estes pontos que representaria esta ascensão, permitindo estimar, a partir da altura de qualquer outro pai, a altura do seu filho. Podemos assim prever, com alguma margem de erro, a altura de um filho a partir da altura do pai, apenas tendo os dados de alturas de outros pais e filhos.
Se as variáveis se relacionam desta maneira, ou seja, quando uma aumenta, a outra a acompanha (seja aumentando ou diminuindo, dizemos que há correlação. Por fim, o coeficiente de correlação linear que utilizaremos pode variar entre -1 e 1. Quanto mais próximo de -1 ou de 1, mais forte a correlação, e sendo próximo de 0, mais fraca. Para melhor entendimento, sugiro a leitura da aula do Laboratório de Estatística e Geoinformação da UFPR: (Correlação).
Resultados das análises
Matriz de Correlação
A matriz de correlação auxilia a verificar quais variáveis podem estar correlacionadas (como no caso das alturas entre pais e filhos). Quer-se, neste caso, saber se há e quantificar as correlações entre Penetração Média e Energia Cinética ou Momento Linear.
Ocorre, porém, que a variação do diâmetro do projétil é um fator relevante e, como visto, estamos avaliando diversos calibres distintos, com diâmetros distintos. Portanto, foram criadas duas variáveis chamadas Energia Ajustada e Momento Linear Ajustado, que consideram os valores por área da secção do projétil. Ou seja, minimiza as diferenças entre os diâmetros dos calibres.
A primeira linha do gráfico é a de maior interesse. Quanto maior o valor de “Corr”, mais a correlação.
A correlação entre a Energia Ajustada e a Penetração Média é média, 0,486. Em outras palavras, a variável Energia Ajustada explica de forma mediana a Penetração Média. Já o Momento Linear Ajustado, por sua vez, tem correlação muito mais forte, 0,697. Isso significa que explica muito melhor a variável Penetração Média.
Então, a variável Momento Linear é mais adequada para aferirmos a Penetração de um projétil que a Energia Cinética. Mas, temos que considerar outro fator importante: o diâmetro.
Expansão ou diâmetro inicial?
Os valores ajustados consideraram o Diâmetro Médio final, após expansão dos projéteis. Mas há considerações. Um projétil de .45 ACP já possui diâmetro razoável desde o início do seu trajeto no interior do corpo humano, enquanto que um projétil .380 Auto, por exemplo, vai se expandir ao longo do trajeto.
Mas qual a interferência disto na penetração do projétil? Será que a expansão impacta significativamente mais a penetração que o diâmetro inicial?
Para isto, foi feita nova matriz de correlação. Neste caso, os valores esperados devem ser negativos, pois quanto maior o diâmetro, menor a penetração esperada, certo?
Novamente, a primeira linha é a que merece nossa atenção. Ela demonstra que o diâmetro final (e o percentual de expansão, neste casos em que os diâmetros finais são aproximados), é mais relevante para impactar negativamente na penetração que o diâmetro inicial.
Considerações finais
Como esperado e já dito pelo Perito Criminal Barro, entre outros, o Momento Linear é a melhor variável a se considerar quando se quer penetração do projétil, mas isto desconsiderando o diâmetro do projétil. Este, por sua vez e para o mesmo objetivo, deve ser considerado quando expandido. Quanto maior o diâmetro final do projétil, menor sua penetração. Isto, claro, conforme o já esperado.
Para finalizar, o gráfico abaixo demonstra essa correlação. No eixo horizontal, a Penetração Média. No vertical, Momento Linear por polegada quadrada. As cores indicam os calibres. A linha azul é uma reta ajustada. Pontos de mesma cor ajustados próximos à reta indicam que, para aquele calibre, o Momento Linear Ajustado é ainda melhor para inferir a penetração. Pontos dispersos, o contrário.
Os resultados encontrados talvez não surpreendam os que acompanham especialistas na área, mas confirmam suas assertivas, dão mais segurança ao ampliar as inferências e trazem clareza para alguns detalhes, como os impactos da expansão e as diferenças entre os calibres.