Meu primeiro contato com as operações especiais ocorreu em 1997. O estágio durou uma semana e aprendi o significado expressões como fatiamento, espiada rápida, funil fatal ou cone da morte, entrada dinâmica ou sistemática, em gancho ou cruzada, abordagem pessoal e veicular, progressão em ambiente hostil, orientação e navegação terrestre, nós e amarrações, transposição de obstáculos e prisões de alto risco.
A essência do aprendizado permaneceu consciente, apesar da dificuldade de aplicação de muitas das técnicas ao longo dos anos. E um dos motivos para essa incapacidade remete a um ditado: uma só andorinha não faz verão.
Cada policial que aprende técnicas diferenciadas não encontra o que é necessário para colocar em prática o que aprendeu, pois se depara com outros policiais que acreditam que o aprendizado não suporta a experiência de mundo ao qual estão acostumados.
Entende-se que aquilo que se aprende na formação pode ser esquecido porque não há aplicação real. Essa mentalidade, “certificada” ano após ano, e o desinteresse pelo trabalho policial técnico faz com que a distância entre o berço policial e a atividade prática seja grande. E essa distância acaba reforçando a ideia de que é preciso esquecer aquilo que se aprendeu na formação, criando uma espécie de engrenagem que gira, mas não movimenta outras partes da máquina.
No mundo prático, minha primeira (e triste) instrução foi esquecer o que aprendi. Se o que era fundamental podia ser “esquecido”, o que pensar daquilo que era diferente (de fato, alguns ensinamentos devem ser submetidos a um olhar atento).
Mas como diminuir a distância entre aquilo que se aprende e o trabalho policial?
A resposta é incorporar a cultura dos nichos
O segundo contato ocorreu num curso ministrado pelo Grupo de Ações Táticas Especiais da Polícia Militar.
Aprendi como usar um escudo balístico, entradas em edificações, noções de negociação, técnicas com lanternas, etc. O curso era uma parceria entre o GATE e a Unidade de Repressão a Entorpecentes.
Depois disso, meu terceiro contato ocorreu em 2007. Naquele ano, os instrutores haviam mudado, disciplinas haviam avançado e eu também havia me transformado. Tudo passava pelo crivo de anos de trabalho e convívio com amigos mais experientes. Infelizmente, passava pelo crivo daqueles que continuavam incrédulos.
A quarta aproximação ocorreu durante um curso de formação de instrutor de fuzil em 2014. Como aluno precisava me livrar daquela “casca” e abrir o coração para novo aprendizado. O curso incluía a visita a uma unidade de operações especiais, onde, para nosso contentamento, aprendemos técnicas modernas e coerentes com a prática policial. O encontro foi motivador, já que o livro Autodefesa contra o crime e a violência estava sendo utilizado como fonte nas instruções de sobrevivência policial. Após a visita, ficou claro que a unidade não só havia se modernizado, mas estava à frente de outros setores.
Um olhar menos atento pode indicar que esse distanciamento é natural e desejável, pois se trata de um grupamento especial por natureza. Contudo, essa distância é preocupante porque a atividade de polícia, na maior parte das vezes, se dá na base, no patrulhamento, na investigação e na folga. Se essa distância for enorme, inclusive em comparação com setores especializados, algo está errado – não para quem está na frente, mas para aqueles que estão atrás.
Sorte. Mas até quando?
Provavelmente há policiais que, apesar da experiência, não possuem condições técnicas aceitáveis, seja por ausência de conhecimento, equipamento, oportunidade e vontade. Essa impressão não é obviamente explícita, já que muitos trabalhos têm a SORTE de darem certo – é quando os erros são esquecidos. Quando tudo dá errado, a culpa é do indivíduo, mas não um problema maior no ensino e na prática policial diária. A inabilidade técnica não é culpa exclusiva do colega, mas o resultado de uma tradição.
Por falar em erros, grupos especiais não são infalíveis, mas se distinguem na capacidade e interesse em avaliar o que foi feito de certo e, principalmente, analisar os PRÓPRIOS ERROS com o objetivo de propor soluções e aperfeiçoar o treino e o aprendizado para ações futuras. Essa prática, chamada DEBRIEFING, pouco existe na polícia tradicional.
O quinto encontro ocorreu num curso de ATUALIZAÇÃO para grupos de resposta rápida. Durante duas semanas ouvi expressões como Free Flow, reta, ponta, TC3 (Tactical Combat Casualty Care), torniquete, agente hemostático, etc.
O sexto contato foi durante um curso na ROTAM da Polícia Militar. Relembrei a importância do treinamento físico institucional e em grupo, das avaliações periódicas de tiro, condicionamento físico, abordagem de risco em via pública (moto, carro e ônibus). Aprendi e liderei ações simuladas de choque tático, etc.
Esse convívio, embora rápido, reafirmou a percepção de que há uma DISTÂNCIA entre o treinamento e o equipamento dos grupos especiais e a cultura tradicional fora desses nichos.
Outra razão para esse distanciamento é o interesse pelo treinamento CONSTANTE, mesmo quando não há nada acontecendo que justifique o treino. Enquanto um lado recebe a chance de aprender e treinar, no outro parece pairar a ideia de que treinamento é prêmio e não parte do trabalho.
No campo dos equipamentos, pode haver a suposição equivocada de que o trabalho de base, por sua condição, não apresenta a necessidade de produtos diferenciados ou melhores.
Agora pense na seguinte frase
Policiais são pagos para desconfiar quando não há nada para desconfiar. Avaliar as pessoas, o que elas fazem, como se comportam e o local onde se encontram é a essência do trabalho. Portanto, operadores táticos devem treinar quando aparentemente não há qualquer razão para isso. Mas só eles?
Treinamento constante, planejamento, EXECUÇÃO COORDENADA e debriefing formam parte da cultura da atividade de operações especiais. Essa cultura forma um nicho que agrega policiais com interesses em comum. E os equipamentos especiais? Certamente esses objetos não são a razão da existência de um grupo especial, mas o RESULTADO de uma CULTURA POSITIVA e de um comportamento DIFERENCIADO.
Eu mencionei PLANEJAMENTO? Sim, é claro! E essa palavra me fez lembrar meu sétimo encontro com as ações especiais ocorrido numa operação. Eram 23h e as equipes se recolheram para dormir, já que o trabalho estava programado para as 3h do dia seguinte. Porém, apenas 12 policiais ficaram para planejar a ação durante a missão. Todos integravam o grupo de reposta rápida. O interesse pelo planejamento ANTECIPADO e DETALHADO era visível em cada um daqueles policiais.
Na abertura da reunião, foram mencionados três princípios:
Assim o planejamento favoreceu o cumprimento de todos os princípios, em especial o primeiro.
Diminua a distância!
Não tenho a intenção de enaltecer os grupos especiais, ainda que mereçam, mas demonstrar que cada policial, dentro de nichos ou fora deles, deve compreender a importância de observar, pensar, treinar, planejar e agir como um policial especial. Grupos especiais agem em situações especiais e os demais policiais atuam em situações cotidianas. É o que se diz. Mas todos nós precisamos cumprir aqueles três princípios.
Entretanto, o trabalho diário abrange a maior parte das atividades de polícia em todo o mundo, e dados estatísticos têm mostrado que a maioria dos policiais é agredida, ferida ou morta nessas circunstâncias comuns.
Mas se você incorporar a cultura desses nichos (COT, GPI, CAOP, CORE, GATE, BOPE, DRE, GISE, DPAT, NEPOM, DAS, ROTAM, ROTA, DPOE, Tático Móvel, GIR. etc.) na sua atividade diária, certamente se transformará num policial diferenciado. Lembre-se que você já é especial para sua família. Agora basta que você se torne especial para si mesmo.
Reúna os colegas, treinem juntos, planejem, executem e avaliem o que fizeram durante o trabalho! No início, talvez um ou outro queira participar. Mas com o tempo e a persistência, os outros também se sentirão motivados. Isso pode tornar o trabalho mais leve e motivador. E também pode salvar nossas vidas!