Se lhe contaram que treinar a distâncias de 15 a 25 metros numa posição estática e com uma demanda de tempo que você pode realizar disparos enquanto olha o seu whatsapp(estou sendo irônico), então sinto lhe informar que você está perdendo muito tempo treinando da forma errada e incompatível com a realidade do confronto armado!
O TREINAMENTO CONVENCIONAL
Meu primeiro contato com uma instrução de armas de fogo aconteceu cerca de vinte anos atrás nas fileiras do Exército Brasileiro enquanto cursava o Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva no 23° Batalhão de Infantaria. Bons tempos! Naquela oportunidade aprendemos a atirar em alvos estáticos numa distância de 25 metros numa posição ortodoxa(prevista em manual) e com um tempo para a execução das séries bem alto. O maior estresse não estava na compressão do tempo, mas no incômodo do barulho dos disparos.
Continuei minha carreira de Oficial Temporário de Infantaria até ingressar na Polícia Civil onde estou hoje. Entre as lições aprendidas no Exército Brasileiro e os dias atuais foram milhares de horas(já ultrapassamos as 10.000 horas) de estande e fora dele treinamento fundamentos e habilidades que orbitam o confronto armado. Independente da Instituição ou das escolas de treinamento, existe uma máxima incomum entre elas que está em balizar o treinamento de tiro em distâncias surreais e dentro de uma janela de tempo impraticável com o mundo real.
Entenda uma coisa, os fundamentos mecânicos são os mesmos entre uma distância de vinte e cinco metros e a um metro da ameaça, porém a física do seu corpo é completamente diferente! Então a forma como o seu corpo e o seu cérebro se comportam está diretamente ligada a maneira como você irá utilizar a sua arma.
COMO O SEU CORPO REAGE DURANTE UM CONFRONTO ARMADO
Revisão rápida sobre como o seu corpo reage a confrontos armados. Possuímos um processador de informações que nos mantém vivos em situações de sobrevivência, chamamos ele de Amígdala Cerebral. Esse processador trabalha numa velocidade absurda para tomar decisões inconscientes e realizar respostas automáticas numa situação de emergência. Essa “Via rápida” trabalha duas vezes mais rápido porque nosso sistema evolutivo tirou o “intermediário” (você) da equação.
Já a “Via lenta” demora o dobro do tempo para resolver os problemas e sofre influência do “intermediário” que busca soluções baseadas em memórias associativas e treinamento para resolver o problema. Esta via “sai do jogo” quando o nosso Sistema Nervoso Simpático entra em funcionamento e desativa a resposta consciente prevalecendo a resposta inconsciente, neste caso a “Via rápida”. As duas vias trabalham simultaneamente, porém as respostas iniciais vem da “Via rápida” enquanto a “Via lenta” passa pelo Córtex e segue para a Amígdala para depois assumir o controle.
O Sistema Nervoso Simpático é automático e virtualmente incontrolável então ele acontece em situações onde você encontra uma demanda que sobrepõe as suas capacidades ou de forma inconsciente quando o seu cérebro entende que você está diante de uma ameaça ou num cenário de risco de vida.
SIMPLIFICANDO O PROCESSO
Acredito que você já tenha visto inúmeros vídeos de reação armada onde o policial ou cidadão realizam disparos enquanto segurava a arma com apenas uma das mãos. Desconsidere o fato deles estarem segurando algo na outra mão, este será tema de outro artigo, mas vamos focar e entender por que durante uma resposta armada aquele policial/cidadão não realizou os disparos com a empunhadura dupla da mesma forma que treinamos no estande.
Entenda que nem sempre replicamos aquilo que treinamos no estande, nossas respostas de sobrevivência são baseadas no Princípio da Simplicidade, isto porque as alterações que acontecem em nosso corpo decorrentes da resposta hormonal e neural pela ativação do Sistema Nervoso Simpático nos tornam uma “Máquina de Combate”, ficamos rápidos, velozes, sangramos menos nas extremidades, nosso foco fica mais apurado para objetos em profundidade, ignoramos o irrelevante e focamos naquilo que tem importância para a nossa sobrevivência. Vale lembrar que existe o lado negativo dessa resposta hormonal e neural que é a perda da capacidade cognitiva plena, neste caso nosso cérebro opta por resposta simples, sem complexidade cognitiva e motora, a capacidade visual e auditiva é afetada e nossa percepção sofre um estreitamento, às vezes ignorando algo relevante no cenário. A capacidade motora também é afetada e realizar movimentos de precisão ou que exijam coordenação de olhos e mãos ficam prejudicados, por outro lado movimentos que utilizam habilidade motoras grossas de empurrar ou puxar se tornam mais eficientes.
As alterações que acontecem em nosso corpo decorrentes da resposta hormonal e neural pela ativação do Sistema Nervoso Simpático nos tornam uma “Máquina de Combate”, ficamos rápidos, velozes, sangramos menos nas extremidades, nosso foco fica mais apurado para objetos em profundidade, ignoramos o irrelevante e focamos naquilo que tem importância para a nossa sobrevivência.
Se o nosso Sistema de Sobrevivência é configurado para tomar decisões simples, rápidas e de fácil execução, então podemos concluir que habilidades aprendidas no estande que se aproximam do nosso comportamento natural sob estresse são mais fáceis de serem replicadas em combate. Sendo assim a única maneira de você retardar o acionamento desse Sistema e tomar decisões conscientes sem a influência das “Respostas Automáticas Simples” é dispondo de TEMPO, DISTÂNCIA E ABRIGO, isso nos dá uma percepção de controle. Artigos de luxo num confronto armado repentino, violento e a curta distância.
PERDENDO TEMPO NO ESTANDE
Então por que treinar a distâncias de 25 metros em alvos pequenos é perda de tempo? Porque este tipo de treinamento é incompatível com cenários reais com maior probabilidade de acontecer, nesse caso cinco metros ou menos. A essa distância você tem muito tempo disponível para aplicar fundamentos de forma consciente, corrigir pontaria, utilizar o sistema visual e sem os efeitos do estresse que um confronto a curta distância lhe proporciona. Saliento que treinar a distâncias de vinte e cinco metros faz sentido quando o ambiente operacional demanda deste tipo de habilidade ou na iniciação do tiro para verificar erros na aplicação dos fundamentos de tiro.
Lembre-se que os crimes acontecem a curta distância, o marginal se aproxima da vítima para se tornar mais ameaçador, realizar comandos verbais ou subtrair objetos. Você perde vantagem a curta distância, a tomada de decisão fica prejudicada, seus movimentos menos coordenados. Você precisa dominar um conjunto de habilidades diferentes daquelas utilizadas num disparo de vinte e cinco metros, você precisa ser capaz de aplicar suas habilidades a distâncias de um braço.
A MECÂNICA DOS CONFRONTOS ARMADOS A CURTA DISTÂNCIA
Se você chegou até aqui então está na hora de entender a mecânica por trás das respostas realizadas em confrontos armados a curta distância, entenda que o seu corpo se comporta de uma forma diferente a esta distância contra uma ameaça. Decisões simples, movimentos explosivos, menos coordenação e a chance de ser morto ou ferido é uma constante neste cenário. O cérebro inibe alguns comportamentos diante da demanda de tempo(a falta dele) visando a economia de movimentos, a economia de movimentos tem proporção direta com a simplicidade e a SIMPLICIDADE rege o seu repertório de técnicas disponíveis.
O cérebro inibe alguns comportamentos diante da demanda de tempo(a falta dele) visando a economia de movimentos
Diante de uma ameaça repentina e a curta distância(menos de três metros) o cérebro mesmo sabendo que a empunhadura dupla lhe proporcionará mais controle e melhor precisão, calcula o tempo necessário para engajar a ameaça e sobrepondo o treinamento(empunhadura dupla) ele opta por realizar disparos com a empunhadura simples. Neste caso a opção recai pelo fato desta empunhadura exigir menos coordenação mecânica e menor tempo de execução, a empunhadura simples é um recurso automático e simplifica o processo cognitivo no que tange a velocidade da tomada de decisão e o movimento motor. Caso haja necessidade de maior controle ou precisão, então o cérebro recupera a empunhadura dupla e continuar o processo de engajamento.
O QUE TREINAR NO ESTANDE?
O que treinar no estande? As respostas iniciais são intuitivas e automáticas, porém logo após a resposta inicial(“Via rápida”) o treinamento assume o controle(“Via lenta”). Condicionar respostas a partir de estímulos visuais e auditivos em cenários realísticos e com a metodologia adequada, aumenta a chance de recuperar e executar estas respostas numa situação de estresse.
Enquanto o seu treinamento se basear em disparos de 25 metros e tiros da região do quadril(posição não natural para disparos contra múltiplas ameaças), então você ainda continua treinando para alimentar o seu ego e suas redes sociais. Procure entender como o seu corpo se comporta sob estresse, administrar o estresse é uma das forma de mitigar os efeitos do Sistema Nervoso Simpático, porém você só alcança esse nível de performance com a adoção de uma metodologia consistente como a que adotamos nas linhas da ESPERANDIO TACTICAL CONCEPT e aplicando fatores de estresses durante o treinamento.
Treinamento baseado na realidade, com basilares na ciência e em evidências fazem você vencer um confronto armado, o resto é meramente achismo e arte circense.