Quando entrei para a polícia, há mais de quinze anos, comecei a ter contato com o mundo das armas de fogo. Passei a frequentar clubes de tiro, fazer cursos e conversar com pessoas do meio. Naquela época, muitas das conversas giravam em torno de técnicas de tiro e desempenho em pistas de IPSC. Na atividade policial, o que se ensinava sobre o tiro girava muito em torno do saber atirar, conseguir acertar o alvo.

Hoje, 16 anos depois, percebo que as coisas estão mudando… Hoje algumas pessoas começaram a perceber que outros conhecimentos também são úteis além da técnica de tiro. Não que saber atirar e acertar o alvo deixaram de ser importantes, longe disso! A questão é que não podemos resumir nossas habilidades e focar nossos esforços apenas nisso! A técnica de tiro é uma peça que compõe o quebra-cabeça do treinamento e preparação para usar uma arma.

Atualmente, qualquer pessoa que tenha alguma interface com as armas de fogo, seja para uso pessoal ou institucional, precisa ter conhecimento em outros assuntos além do tiro propriamente dito. Elenco aqui algumas valências importantes para TODAS as pessoas que utilizam armas, independentemente dos motivos, sejam profissionais, esportivos ou recreativos. São conhecimentos multidisciplinares, que se correlacionam e se complementam, formando um arcabouço técnico que pode fazer toda a diferença quando do emprego da arma de fogo. São elas:

• APH;
• Combate veicular;
• Retenção e contra-retenção de arma de fogo;
• Legislação;
• Balística de Combate;
• Combate velado;
• Combate em baixa luminosidade;
• Mentalidade de combate;
• CQB.

Vamos discorrer sobre cada uma delas.

APH

O APH (Atendimento Pré-Hospitalar) é um conhecimento que se aplica na vida, não somente em ocorrências com armas de fogo. Você pode precisar aplicar esses conhecimentos se o seu filho se cortar ao se chocar contra uma porta de vidro e apresentar um sangramento massivo, se a sua mãe for engolir um pedaço de carne e tiver uma obstrução respiratória, se o seu irmão se acidentar em uma trilha e apresentar um pneumotórax! O que você faria se fosse alvejado agora, aí onde você está? Se você porta uma arma de fogo, deve saber responder essa pergunta a qualquer momento! Se você possui uma arma, se frequenta um clube de tiro, se é um operador de segurança, você vive em contato com armas de fogo. Saber o que fazer se for atingido pode salvar a sua vida! Mais do que isso! Como ensina o nosso chefe Jorge H. Ohf, você deve ter com você pelo menos um torniquete, pois mesmo sabendo o que fazer, isso de nada adianta se você não possuir os recursos necessários. A regra é simples: se você porta uma arma de fogo, tenha sempre consigo um torniquete e SAIBA UTILIZÁ-LO! Se você quer aprender mais sobre o tema, não deixe de ver os artigos do sensacional, espetacular, sexy, único e inigualável Doc Maniglia. O nosso colunista Aranha também aborda o assunto no artigo “Torniquetes e SpaceX – Algo em comum?“.

Combate veicular

Os veículos são uma constante nas nossas vidas e, infelizmente, os criminosos sabem disso. Fato é que inúmeras vezes os assaltantes se aproveitam de momentos de distração enquanto estamos no trânsito para efetuar a abordagem. Outra situação, mais complicada, é quando o criminoso possui um alvo específico e se aproveita do momento em que essa pessoa está embarcada para abordá-la, dificultando a reação.

O veículo oferece uma falsa sensação de segurança, principalmente por estarmos cobertos, porém não abrigados. É uma falsa sensação de segurança porque, na verdade, estamos mais vulneráveis. As portas dos veículos não oferecem proteção alguma, assim como as janelas de vidro. Mesmo as colunas, um pouco mais reforçadas, não conseguem proteger contra vários calibres comumente utilizados. Ainda, dentro do veículo a movimentação fica seriamente comprometida. Os espaços são pequenos, estamos “presos” pelo cinto e, no caso do condutor, pelo volante, comprometendo também a visualização das ameaças. Compreender esses fenômenos e saber o que fazer nesses casos é fundamental! Para saber mais sobre o assunto, leia os excelentes artigos escritos pelos colunistas InfoArmas Marcelo Esperandio e Álvaro Cavalcante:

• ATIRAR DE DENTRO OU FORA DO CARRO NUM COMBATE VEICULAR?
• CONFRONTOS ARMADOS DECORRENTES DAS REAÇÕES AO ROUBO E EMBOSCADA VEICULAR

Retenção e contra-retenção de arma de fogo

Ao escolhermos possuir uma arma, fazemos isso com expectativa de que ela nos traga alguma vantagem em uma situação de necessidade. E se, nessa situação, você perder essa arma?! Aí entra o princípio da retenção da arma de fogo, que é saber o que fazer se alguém tentar tomar a sua arma. Isso pode acontecer em diversas situações, como por exemplo se alguém mal-intencionado perceber que você está armado e quiser se apoderar da sua arma. Outra situação seria possível quando, ao optar por não sacar a arma e entrar em luta corporal com um oponente, este tente tomar a sua arma.

Entender os princípios básicos de retenção de armas de fogo pode fazer a diferença entre a vida e a morte em uma situação de confronto. Ao possuir uma arma, saiba que o risco de você ter que lutar por ela existe e você precisa saber o que fazer para mantê-la sob a sua posse. E esqueça aquelas técnicas cinematográficas com torções e manobras estapafúrdias… Na vida real o combate é bem mais objetivo. O excelente artigo “A luta pela arma: Dados brasileiros sobre retenção e contrarretenção de arma de fogo (2019)“, escrito por Felipe Palma, mostra a realidade sobre o tema no Brasil.

Legislação

O conhecimento da legislação relacionada às armas de fogo é fundamental para quem decide possuir uma arma, seja para entender os requisitos para posse/porte, seja para saber as limitações jurídicas no emprego da arma de fogo. Esse conhecimento se faz necessário especialmente no Brasil, que possui um emaranhado legal absurdo em relação às armas. Esse conhecimento é ainda mais importante pelo fato de muitos agentes públicos desconhecerem tais legislações e, pelo desconhecimento, correrem o risco de cometer abusos contra quem possui ou porta uma arma legalmente. Conhecer os seus direitos e deveres referentes às armas de fogo baseados na legislação é, portanto, fundamental. Para saber mais sobre o assunto, acompanhe as postagens do mestre Luciano Lara, do Beabá-do-Tiro, especialmente o artigo “A legítima defesa, o agente provocador e as narrativas inventadas“. Veja também os artigos do colunista Fabricio Rebelo, especialmente o vídeo “Legitima defesa – Aspectos legais“.

Balística de Combate

Não basta ter uma arma se você não souber quais são as consequências práticas do emprego dessas armas. Os muitos mitos que rondam os efeitos dos tiros fazem com que muitas pessoas pensem que o impacto de tiro é o que incapacita o alvo, que se utilizar uma arma em calibre X a pessoa será prontamente incapacitada, que um confronto se resolve com apenas um tiro e muitas outras falácias frequentemente propaladas no meio do tiro. Esse desconhecimento se reflete também nas escolhas de armas e munições, também contaminados pelas propagandas de fabricantes, que se destinam a vender os produtos mais comercialmente interessantes. Saber quais são os fatores que levam à incapacitação balística e quais são as consequências dos tiros nos mais diversos alvos, humanos e não humanos é o foco da Balística de Combate. Seguem alguns artigos interessantes sobre o assunto:

• Energia ou Momento Linear?, por Igor Cavalcante;
• A Balística do Caos!, por João Da Cunha Neto;
• E aí? O .380 Auto serve para defesa?!, por João Bosco;
• Energia ou Momento Linear, qual a melhor forma de escolher sua munição para a defesa?, Parte 1 e Parte 2, por Perito Criminal Barros;
• Munições ogivais podem ser usadas para defesa?, por João Da Cunha Neto;
• O melhor calibre para autodefesa, por Igor Cavalcante.

Combate velado

O dia-a-dia das pessoas que portam armas é que tais armas sejam conduzidas sob as roupas, de maneira dissimulada. Mesmo as pessoas que portam armas ostensivamente, durante a atividade profissional, nos seus momentos de folga portam as armas de maneira dissimulada. O fato da arma estar oculta sob as roupas é um fator adicional que deve ser levando em consideração para que aquela arma seja apresentada o mais rapidamente possível. “Qual coldre utilizar? Qual arma utilizar? Em qual posição portar a arma? Como vou sacar a arma?”. Essas questões são fundamentais no porte velado, uma vez que interferem diretamente na capacidade e velocidade de resposta do operador, fatores decisivos na sobrevivência em um confronto armado. Vários outros autores abordam o assunto aqui no InfoArmas, como Humberto Wendling, com os artigos “Posições da arma na linha da cintura“, “Os segredos do porte de arma” e “Armado em qualquer ocasião“, e eu, João Bosco, com o artigo “Porte dissimulado de armas de fogo”, dividido em três partes: Parte I, Parte II e Parte III. O assunto vale para todos, inclusive para a mulherada, como mostram as nossas colunistas Priscila Barbi, no artigo “Look do dia: aquele que couber minha arma“, e BEATRIZ, no artigo “MULHERES E O PORTE VELADO DA ARMA DE FOGO“.

Combate em baixa luminosidade

Quando treinamos tiro, o mais comum é que o façamos em condições de boa visibilidade e luminosidade. Se nos preparamos apenas nessas condições, estaremos em sério risco caso o confronto se dê em um ambiente escuro ou com baixa visibilidade, obrigando o operador a improvisar. Saber o que fazer nessas condições, estar preparado para combater em ambientes de baixa luminosidade, ter uma lanterna no seu EDC e/ou na sua arma são cuidados que podem significar a sua sobrevivência em uma situação de necessidade. Saiba mais sobre o assunto lendo a parte I e parte II do excelente artigo escrito pelo nosso colunista Felipe Rodrigues!

Mentalidade de combate

Muitos dos aspectos relacionados anteriormente, se não todos, estão intimamente relacionados à mentalidade de combate. Entender como funciona o seu cérebro e treiná-lo para estar pronto para o confronto é tão importante quanto treinar o seu corpo para fazer os movimentos corretos. Os aspectos da mentalidade de combate muitas vezes são negligenciados ou substituídos pelo velho pensamento do NHS: “Na Hora Sai”. Não sai. Somos contaminados desde a infância a acreditar que um confronto se dá de maneira ordenada, que dá tempo de pensar, calcular, tomar decisões, entretanto isso não é verdade. Entender os aspectos relacionados à mentalidade de combate e entender o comportamento humano fazem diferença mesmo antes do confronto, podendo até evitá-lo. A mentalidade de combate está presente em todas as etapas: antes, por meio do treinamento e do comportamento preventivo, durante, na execução do que é treinado, e depois, assimilando as consequências do confronto. Um operador eficiente não negligencia esses aspectos. Saiba mais sobre o assunto aqui mesmo no InfoArmas:

• Anotações sobre o “medo”, O instinto da sobrevivência e Você está pronto para o Combate?, por Cleidson Vasconcelos;
• Um ferimento nem sempre significa a morte, por Humberto Wendling;
• É o fim do ciclo OODA, por Marcelo Esperandio;
• Expectativa vs. Realidade: Lições Aprendidas em um Confronto Armado Inesperado, por Felipe Palma.

CQB – Close Quarter Battle

Quando vemos a sigla CQB imediatamente somos remetidos à ideia de um time tático efetuando um adentramento em ambiente confinado para resgatar um refém tomado por um sequestrador, não é? Sim, também, porém conhecer princípios básicos do CQB é fundamental para qualquer pessoa que possua uma arma e pretenda utilizá-la em uma situação de defesa, especialmente na defesa residencial. Imagine que você está na sua casa dormindo e acorda ouvindo o barulho da porta sendo aberta ou arrombada, percebendo que entrou alguém. Seu filho está em outro quarto. O que você faz? Se tranca no seu quarto? Deixa o seu filho sozinho? Certamente não! E aí? Como você se aproxima do quarto dele? E o risco de encontrar o(s) invasor(es)? É nessa hora que o conhecimento de CQB faz toda a diferença! Para saber mais, leia os excelentes artigos escritos pelos colunista InfoArmas:

VOCÊ PODE DEFENDER A SUA CASA SEM SER UM POLICIAL, por Marcelo Esperandio;

CQB One Man, por Felipe Rodrigues;

Lar doce lar, por Humberto Wendling;

Armas para defesa residencial, por João Da Cunha Neto.

Conclusão

Espero que você tenha percebido a quantidade de conhecimentos necessários a quem porta ou possui uma arma. Antigamente esses conhecimentos estavam restritos aos policiais, muitos deles apenas aos operadores táticos de unidades de Operações Especiais. Atualmente esses conhecimentos estão mais disponíveis e você consegue encontrar informações de qualidade sobre todos eles aqui no InfoArmas, não apenas no portal mas, especialmente, na Comunidade InfoArmas! Não perca a oportunidade de se atualizar e conhecer mais sobre o mundo das armas! Se você ainda não é assinante, clique aqui e se inscreva para ter acesso ao conteúdo que tem mudado os conceitos relacionados às armas de fogo!